Temporalidade paralelepípeda - por Cristiana Souza
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Corria o ano de 1975, nascia a segunda filha do casamento interracial entre Claudete e João, na cidade que outrora foi chamada de dormitório.
A Ditadura no Brasil estava a pleno horror. O pai da menina era de esquerda, brizolista e flamenguista. Soltou rojão quando soube do nascimento e bebeu o tal mijo da criança por dias; era um rapaz franzino de 21 anos com problemas do coração.
O fim do regime ditatorial ocorre no ano de 1985 e a menina prestes a completar 10 anos, era introspectiva, gostava de estudar, admirava a professora que dava aula numa sala improvisada de sua casa e ensinava a mágica de juntar as letras e formar as palavras; liquidificador, paralelepípedo, dezesseis… Tinha ânsia em aprender a usar essas palavras numa frase, ela não sabia, mas escrevia e escondia. Que boba!
Aos vinte anos vai trabalhar no Centro do Rio, se perde pelas ruas de paralelepípedos e pede ajuda a um transeunte, que aponta no horizonte da Rua Primeiro de Março, o prédio de 42 andares, localizado na Rua da Assembleia de número 10. Vai andando trêmula, sente medo, adentra no primeiro dia do trabalho formal e na primeira hora entre papel e canetas, quebra um vidro de corretivo no carpete com cheiro de bom ar; a marca branca deixada naquele chão, não era nada comparada a tantas caras brancas dos universitários.
O ano é 1999 e o coração do seu pai já não bate mais, na carteira o calendário do Flamengo de 10 anos atrás, lembrança dada pela filha, guardado com a féria. Uma vida espreitada pela morte desde o seu nascimento. Lágrimas…
Terceiro milênio: casamento, planos, vamos fazer um filho, traição, separação, quarto vazio. Na dor, a garota se torna uma mulher, sente o prazer de ser livre, volta a estudar, se apaixona por outras palavras, forma novos versos, descobre novos amores, e recomeça.
O ano é 2023, e a vida vai seguindo como num andar trêmulo e de salto numa rua de paralelepípedos da Ouvidor.
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Cristiana Souza é assistente social e jornalista.
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