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Qual a importância de Krenak na ABL?

Por Lucas Fortunato

FOTO: @abletras_oficial
FOTO: @abletras_oficial


No último dia 05, sexta-feira, abril de 2024, Ailton Krenak tomou posso como o primeiro indígena da Academia Brasileira de Letras (ABL). Nascido na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, ele teve importante participação na criação da União das Nações Indígenas, no enfrentamento à ditadura militar e na defesa do direito a terra e do respeito às populações indígenas na Assembleia Constituinte.


E por que celebrar a presença de um indígena na Academia? Questionemo-nos porque só o estamos celebrando em 2024, mais de 500 anos após o início do processo de colonização.


Durante os primeiros 300 anos após o começo da ocupação europeia no atual território brasileiro, o objetivo era basicamente a exploração para suprir as demandas e a economia da metrópole portuguesa. Na Arte, quando a figura do indígena aparecia, tratava-se de um ser “objetificado”, desumanizado, que aparecia em aquarelas documentais de catálogos científicos, como se fosse mais uma planta ou um bicho, uma “coisa nova” encontrada no exótico meio selvagem.


Muitas características que afastavam essas etnias do modelo cultural europeu eram salientadas pelos colonizadores numa tentativa de justificar o seu apagamento, seja através da catequização ou o extermínio. Assim, criou-se a imagem de um “índio” ora ignorante, ora canibal, ora pervertido, ora preguiçoso... Por muito tempo, pensou-se que esses povos eram todos ágrafos, sem sistemas de escrita, sem formas próprias de comunicação, incapazes de se expressar esteticamente ou culturalmente.


Após a proclamação da independência, pouco mudou esse cenário. Os indígenas passaram a ser vistos de forma alegórica, como se fossem uma figura caricata invocada para nos desvencilharmos dos europeus, uma tentativa um tanto quanto distorcida de “nacionalismo”. Nas pinturas da Academia de Belas Artes, apareciam agora os indígenas idealizados e romantizados. Ainda totalmente desvinculado da realidade, o chamado Indianismo trazia corpos masculinos que mais pareciam deuses gregos, e a imagem das mulheres, praticamente virou um símbolo de sensualidade.


No século XX os modernistas reclamaram desses estereótipos. O que não significa que deixamos de cair em alegorias e imagens fantasiosas. Ao tentar exaltar a cultura indígena, criou-se a imagem de um grupo generalizado alheio à nossa sociedade. Promoveram a integração, mas não a inclusão da imagem e das etnias indígenas ao povo brasileiro. Continuou o exótico, agora disfarçado de uma suposta valorização das diferenças; a preguiça, disfarçada de “saber viver”; a sexualização, disfarçada de beleza.


Todo esse panorama para entendermos que, graças ao trabalho de muitos sociólogos e antropólogos, e principalmente de ativistas indígenas que se dedicaram ao longo do século XX, somente nas últimas décadas esses povos começaram a ter reconhecida, em mídias e espaços mais tradicionais, o seu lugar e a sua pluralidade.


Hoje temos artistas, escritores, doutores indígenas, consagrados por grandes instituições de nosso país. É o caso de Krenak na ABL. Contudo, devemos estar atentos para o fato de que isso não significa que esses saberes sejam recentes. A expressividade, as culturas, as crenças, os conhecimentos e as cosmovisões indígenas são plurais e estão se desenvolvendo desde bem antes da colonização. Por isso, remetem a nossa ancestralidade, por isso eles são os povos originários.  Ao seguirem lutando por seus (novos) espaços, ainda em meio a colonialidade que persiste, fazem-se também símbolo de resistência.


Krenak, ao ocupar um assento na Academia, não remete apenas a uma pessoa e um título, mas a personificação de todo um processo histórico, com elementos que vem sendo desconstruídos, e outros ressignificados.


Ah! Outra curiosidade bastante simbólica é que apesar de ter obras famosas, inclusive já publicadas em 13 países, Krenak, que também tem títulos de doutorado honoris causa, não tem o hábito de escrever! A editora responsável já divulgou que os livros são transcrições baseadas em entrevistas, palestras, debates, diálogos e encontros (nacionais e internacionais), marcados pela oralidade.


O Jornalista, filósofo e ambientalista, assim, torna-se símbolo não só da resistência indígena, mas também de uma linguagem de fundamental importância para o conhecimento humano. Afinal, os saberes também se encontram em sujeitos e comunidades que vivenciaram acontecimentos históricos, em maior ou menor grau, e podem então contribuir com o aprendizado, através de sua memória e seus relatos.

 

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Lucas Fortunato é professor de Arte, pesquisador no campo do Cinema-Educação.

 

FOTO: @abletras_oficial



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