O filho do adversário: Cap final - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
...O disalmadu foi pra casa disposto a dá cabo na vida da fia, mas tanto pidido foi feito pela mãe e pela irmã qui ele si resolveu só castigá, botô ela num quarto pra nunca mais saí de lá e só cumia uma vez por dia, si alguém desse cumida pra ela sem sê ele, morria todo mundo.
Foi um inferno moço. Pois bom, Jacó ficou cum a firida seca, mas alejado qui tava, deu pra bebê e chorá, só fazia isso, bebia e chorava, quanu tava na rua e via seu Luiz parecia de ter visto o “chifrudo”, era um disispero só, curria feito uma apreá, ninguém pegava, quanu alguém fava pra seu Luiz tomá cuidado cum Jacó ele si ria qui só e inda falava: _“Agora ele é qui nem as mulé, só serve pra si deitá.” E dava aquela gargalhada de dá medo qui nem os santo virado lá do centro de Binidito. Só qui o que era dele tava guardado, ói qui já faz uns cincu anu du aconticido.
Hoje de manhãzinha eu tava ali pela praça pra vê si fazia uns mandado pra arrumá um trocadinho, inté vi o sinhô lá no banco duruminu qui só, aí passou Jacó e foi rodiano a fêra, ele num intrava na fêra de jei ninhum, sabia qui seu Luiz tava lá, mais ele tava cuma cara isquisita por dimais, eu fui atrás dele assim, de tocaia, sem dexá ele percebê, ele intrô pelo final da fêra, vei se escondeno pur de trás das barraca e quano chegô perto da barraca de Seu Luiz não dexô o bicho nem levantá os ói. Puxou dum revorvim desses piquenu e deu um tiru certêro no meio do peito do “fio do mardito”, o cabra nem gemeu, caiu pru cima das carni já cum a alma entregui. O resto o sinhô já sabe.
O capitão que tudo ouviu em silêncio e prestando atenção, perguntou ao velho o porquê dele estar contando isso tudo. O velho pediu mais uma dose, derramou um pouquinho na parede do balcão e bebeu o resto numa talagada só, deu mais um longo trago no cigarro e retomou a falação.
_Às vez a gente pensa qui ta num lugá distante, qui num cunhece ninguém e ninguém cunhece a gente, as vez tamo enganado. Já passa de vinte e cinco ano qui eu também tava numa certa fêra lá no sul quando um home foi firido na cara. Eu tava lá pra mata esse istopô. Ele me deu uma perna coxa e um olho cego, naquele dia eu ia fura os dois ói dele, mas aquela confusão atrapalhô tudo e perdi ele di vista. Vivi atrás dele esse tempo todo, quiria matá era cum minhas mão, mas tava muito véi pra pega di frenti essa impreitada, intão arresorvi isperá meu dia, um dia ele ia bebê dimais da conta e ia fica caído feito um animal duente, e, eu seu moço ia matá ele bem divagazinho, vendo o bicho gemê na ponta da faca, mas num sei se isperei dimais ou o distino iscreveu di menus, fiquei cum preucupação no sinhô fazê o sirviço primero e Jacó, que eu pensava que tinha virado mulé, chegô na frente e deu no que deu.
O capitão, tão frustrado quanto ele pergunta:
_E o que você vai fazer agora da vida?
O velho dá mais uma longa tragada no cigarro e tosse como se quisesse pôr a alma para fora e responde:
_Vô bebê o difunto a noite intêra, e na hora do caxão decê na cova, vô dá uma cuspida bem grossa no fucinho dele pra impurrá ele prus quintu dus inferno mais dipressa. Dispois vô cuntinuá pru aqui e vê nu qui dá.
E sem dizer mais nada, saiu coxeando e assoviando, sumindo feito um fantasma no final da rua.
O capitão pagou a despesa, foi até a porta, deu uma espreguiçada, olhou pro céu que cinzento como jamais se vira, desaba em fortes pingos de chuva e saiu caminhando deixando que a água o lavasse por inteiro, parecia que assim se despiria de toda raiva e frustração pela vingança não executada.
Dali por diante sua vida seria um imenso vazio, sem objetivo e sem sonhos. Aquela figura deformada foi desaparecendo lentamente na estrada que vai dar no rio.
Em Reriutaba nunca mais foi visto. O velho morreu numa calçada, dormiu e não acordou mais. Jacó ainda vive, ficou preso por pouco tempo, logo houve o julgamento e foi absolvido por unanimidade. Hoje, mesmo com o peso da idade é respeitado por todos e aprendeu a conviver com seus fantasmas. Gida foi embora com as filhas e continuou tocando a vida. Dela e das filhas ainda ouviremos muitas histórias, causos e afins...
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.