O filho do adversário: Cap 3 - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
O sol já exigia chapéus e sombrinhas a quem ousasse querer sua companhia, já era metade do dia e o corpo ainda estava lá, coberto, no meio da rua, enrijecido e seco sem que a perícia e o rabecão aparecessem. Três mulheres permaneciam de pé olhando o cadáver. Os olhos não vertiam lágrimas, era uma mistura de alívio e pena...
Eram respectivamente mulher e filhas do desencarnado. O capitão também estava lá, a sede de vingança ainda estava querendo ser saciada a qualquer custo, mesmo com o alvo já morto.
Pensou várias vezes em exterminar a família do defunto para que não restasse na face da terra nenhum resquício de sangue que pudesse manter viva sua árvore genealógica, mas vendo a mulher com aquele semblante tão sofrido, vestida em roupas puídas, mãos calejadas e as meninas também tão maltratadas não teve dúvidas, deixa-las viver seria o maior castigo que um ser humano poderia receber naquelas condições. No fundo ele não queria dar o braço a torcer pela pena que estava sentindo daquelas miseráveis criaturas.
Depois da retirada do corpo as pessoas já tratando cada um de suas vidas, ele ainda ficou por ali matutando, procurando um sentido para continuar vivo, até aqui tinha um objetivo, agora nada mais a fazer. Saiu caminhando pelas ruas abanando-se com o chapéu para disfarçar o calor, o andar cadenciado como se estivesse contando as pedras do calçamento, pareciam passos de dança, dobrou a esquina do mercado e entrou no primeiro bar que encontrou. Lá, depois de alguns copos de cerveja, percebeu estar sendo observado.
No fim do balcão encostado numas caixas de garrafas vazias, um velho com aspecto de alcoólatra o olhava com aquela cara de criança pidona. O coração do capitão não era lá de rompantes de bondade para com seus semelhantes, só fazia o que lhe fazia bem, olhava para o próprio umbigo sempre, mas naquele dia estava arrasado e tudo faria para que ninguém o notasse. Chamou o dono do bar e mandou que servisse uma dose caprichada ao velho pidão.
Depois de atendido o velho se aproximou e sem que ele perguntasse nada deitou falação: _ O desencarnado apareceu pruaqui tem mais de vinte anu. Num prosiava, num si ria di jei ninhum. Comprô a casa de finada Maria Piquena e si instalô cum Gida, o nome dela memo é Hermenegilda, mas todo mundo chama de Gida, a mulé sofreu qui nem jumento nu arado. Quanu as minina foru nacendu nem resguado tinha, paria de noite e de manhâzinha já ia pra lida. O homi era o “coisa” ruim na figura de gente, que Deus me defenda! Todo mundo pru a qui tinha mê-dele, até as sussarana que é bicho que adora robá barrasco num chegava nem perto dos porco dele, inté os porco si deitava quano ele chegava perto. As minina foru crecenu só sainu di casa pra í a missa nus dumingo, a mãe vinha trazê, mas sem levantá a cabeça, era u zói no chão e sem dizê palavra, chorava a missa interinha.
O povo tinha dó, mas faze o quê?- Enfiou a mão nos bolsos rotos e tirou um cigarro todo amassado, acendeu, tirou uma baforada jogando a fumaça para o alto e retomou o fio da meada: _ Hum!Hum! As minina num saia pra nada não sinhô, só foru pru culéju dispois que Padi Suares improrô mais de mil vez, assim memo vigianu as ida e as vorta, era seu moço! Era assim memo! Ó, só pra módi incurtá a prosa, aqui tem um sujeito chamado Jacó, é fio de Maria de Dagô, mora lá prus lado da istação, rapaz bom, inducado e trabaiadô, mas muierengo qui só, tudo qui é minina ele namorava, tinha uma fama danada nu meio dos rapaz. Um dia, o disinfiliz, êssi que morreu, vinha andanu ali pelos lado do rio e avistô a fia dele mais veia, qui tem por nome Isabel, na garupa da bicicreta de Jacó, us anju do céu inté fecharu us zói, inté a forração do céu fico inramiada pra chuvê. O “cão” si infiô nu mato e fico isperando, quanu Jacó passô todo frozô, crenti qui ia “lavá a protrinha” tomô foi uma patada do “jumento” qui a bicicreta chegô saí do chão. A minina inda consiguiu levantá e corrê pra casa, mas, Jacó si deu foi mal. O “macabro” garrô c’uele pela istrada, marrô as mão dele nus pé, rancô as carça dele e castrô feito um animal e inda dexô o pobre gemendo lá no mato, pegô os baguinho e jogô pros cachorro cumê.
Quanu o povo correu pra acudi o homi era sangue puro, levaru ele pru hostpitá, e sorte qui dr. Erly Miranda tava na Cidade, mas nada pudia fazê, disse qui aquilo era coisa de profissioná, só deu uns pontu pra fechá o ferimento e o pobre ficou sem sirvintia...
>>> CONTINUA, NA PRÓXIMA SEMANA, CAPÍTULO FINAL.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.