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O filho do *adversário* - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Foto: Pixabay
Foto: Pixabay

Nordestino, forte pra caramba, um gênio de fazer medrar “o inimigo morador das profundezas”. Nonato Gordo era uma mistura de surucucu cara de sapo com naja, a cobra rei. Todos o temiam e o odiavam ao mesmo tempo. No trabalho, em casa, em qualquer lugar que estivesse era certo que a confusão se instalaria por sua simples presença. Casado com a sofredora da Niquela, que todos os dias apanhava só para lembrar que não poderia desobedecê-lo, pai de Luiz Alfredo, orgulho e luz dos olhos da família.


Quando Luizinho era pequeno o pai lhe fazia todo tipo de maldade, batia-lhe à toa, às vezes o menino acordava altas horas da madrugada apanhando feito gente grande para “aprender a ser homem”. Aos domingos levava o menino para a feira do Gradim, dava-lhe cachaça e cigarros e ai de quem o advertisse. Quando chegava em casa com o menino embriagado, Niquela implorava, pedia por tudo que era sagrado para que não judiasse do menino. Em vão seus pedidos de clemência.


Nonato pegava a lambedeira, uma peixeira enorme que trazia embrulhada num jornal e que guardava embaixo do travesseiro, riscava no chão provocando o menino que alterado pelo álcool partia para a briga com o coração cheio de ódio. O pai sorria cheio de orgulho e gritava para quem quisesse ouvir: _“Isso vai ser ruim feito o diabo! ” E gargalhava enquanto espancava a criança.

Quando Luiz completou quatorze anos, já era um rapagão. O coração perverso e empedernido pelos maus tratos sofridos na infância não deixava que tivesse amigos, que alguma menina se interessasse por ele, o que aumentava seu ódio pela vida e por todos que nela habitavam. Logo seu pai arranjou um emprego para ele na feira, uma barraca que vendia carne de porco. Inteligente e calado, rapidamente se tornou um expert na arte de corte e magarefe. Tinha um prazer enorme em enfiar o punhal certeiro no coração do animal e vê-lo sangrar até a morte. Era um monstro crescendo por dentro e por fora querendo acabar com o mundo.


Em sua pouca idade já colecionava várias expulsões dos colégios por onde passou e como ou pior que seu pai também tinha seu punhado de inimigos ávidos por vê-lo pelas costas, porém ninguém tinha coragem de enfrentá-lo. O rapaz nada temia e até o pai já estava dormindo com apenas um dos olhos fechados com medo de uma “surpresa” quando a madrugada chegasse. Quanto mais velho ia ficando parecia que seu coração ia se revestindo de uma couraça impenetrável e já não respeitava ninguém.



Quando completou 18 anos o presente que ganhou foi seis meses de prisão por ter agredido um pobre coitado que esbarrou nele sem querer. O pobre parecia ter sido atropelado tal a quantidade de hematomas e ossos quebrados que certamente o marcariam para o resto da vida. A mãe, não suportando os sofrimentos causados por Nonato e já sendo maltratada também pelo filho veio a falecer triste, sozinha e doente, abandonada num leito de hospital. Seu corpo foi enterrado em cova rasa e sem cortejo, pois os dois nunca a foram visitar e talvez nem tenham notado sua falta.

Certa vez apareceu uma moça aparentando seus dezoito ou dezenove anos, muito meiga e educada fazendo compras na feira. Chegando na barraca onde Luiz Alfredo trabalhava, pediu um quilo de carré. Atendida sem ao menos um bom dia seguiu seu rumo.


Só que o patrão da menina, também nordestino e com patente de capitão-médico desconfiou do peso da carne e foi até a feira para tirar a cisma.


Chegou e encontrou Luiz Alfredo amolando a faca de corte e sorrindo de canto de boca já pensando nos pobres e infelizes suínos, vítimas e válvulas de escape de todo seu ódio que na madrugada seguinte deixariam de viver.


O capitão pôs a carne na balança e quando viu que ainda faltavam alguns gramas para que um quilo fosse completado virou fera, começou a vociferar feito um louco, chamava o feirante de ladrão, safado, homem de má fé e outros adjetivos que não posso citar aqui. Do outro lado do balcão um Luiz Alfredo o encarava com seu olhar frio e com uma calma que só os animais que estudam sua presa têm, continuava a amolar a faca. De repente, quando o capitão se distraiu, numa rapidez impressionante Luiz Alfredo o atacou, com um golpe certeiro tirou-lhe parte do rosto com orelha e tudo.


Enquanto o capitão desesperado gritava de dor sendo acudido pela multidão, Luiz Alfredo calma e friamente espetou a parte do rosto que tinha decepado do pobre homem e o colocou na balança ao mesmo tempo que perguntava: _Tem um quilo agora meu chefe?


Aproveitando-se da confusão se infiltrou no meio do povo e desapareceu. A multidão enfurecida foi para a casa do agressor e sem saber que o pai dele, embriagado, lá dormia, atearam fogo deixando-a em cinzas. Era o fim de Nonato que morreu sem saber da última proeza de seu “pimpolho”.


Luiz Alfredo desapareceu e nunca mais foi visto em São Gonçalo. O capitão, apesar das várias operações sofridas ficou com o rosto deformado. Sua carreira militar teve que ser interrompida e sua vida se tornou uma tristeza só. Jurando vingança partiu Brasil afora e só descansaria o dia que se encontrasse cara a cara com seu desafeto e tirasse a forra da agressão sofrida, depois desse dia, que Deus o guiasse por onde quisesse...


>>> Continua na próxima quarta-feira...


*O coisa ruim, o anti-Cristo.*


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.




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