O filho do *adversário* - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Nordestino, forte pra caramba, um gênio de fazer medrar “o inimigo morador das profundezas”. Nonato Gordo era uma mistura de surucucu cara de sapo com naja, a cobra rei. Todos o temiam e o odiavam ao mesmo tempo. No trabalho, em casa, em qualquer lugar que estivesse era certo que a confusão se instalaria por sua simples presença. Casado com a sofredora da Niquela, que todos os dias apanhava só para lembrar que não poderia desobedecê-lo, pai de Luiz Alfredo, orgulho e luz dos olhos da família.
Quando Luizinho era pequeno o pai lhe fazia todo tipo de maldade, batia-lhe à toa, às vezes o menino acordava altas horas da madrugada apanhando feito gente grande para “aprender a ser homem”. Aos domingos levava o menino para a feira do Gradim, dava-lhe cachaça e cigarros e ai de quem o advertisse. Quando chegava em casa com o menino embriagado, Niquela implorava, pedia por tudo que era sagrado para que não judiasse do menino. Em vão seus pedidos de clemência.
Nonato pegava a lambedeira, uma peixeira enorme que trazia embrulhada num jornal e que guardava embaixo do travesseiro, riscava no chão provocando o menino que alterado pelo álcool partia para a briga com o coração cheio de ódio. O pai sorria cheio de orgulho e gritava para quem quisesse ouvir: _“Isso vai ser ruim feito o diabo! ” E gargalhava enquanto espancava a criança.
Quando Luiz completou quatorze anos, já era um rapagão. O coração perverso e empedernido pelos maus tratos sofridos na infância não deixava que tivesse amigos, que alguma menina se interessasse por ele, o que aumentava seu ódio pela vida e por todos que nela habitavam. Logo seu pai arranjou um emprego para ele na feira, uma barraca que vendia carne de porco. Inteligente e calado, rapidamente se tornou um expert na arte de corte e magarefe. Tinha um prazer enorme em enfiar o punhal certeiro no coração do animal e vê-lo sangrar até a morte. Era um monstro crescendo por dentro e por fora querendo acabar com o mundo.
Em sua pouca idade já colecionava várias expulsões dos colégios por onde passou e como ou pior que seu pai também tinha seu punhado de inimigos ávidos por vê-lo pelas costas, porém ninguém tinha coragem de enfrentá-lo. O rapaz nada temia e até o pai já estava dormindo com apenas um dos olhos fechados com medo de uma “surpresa” quando a madrugada chegasse. Quanto mais velho ia ficando parecia que seu coração ia se revestindo de uma couraça impenetrável e já não respeitava ninguém.
Quando completou 18 anos o presente que ganhou foi seis meses de prisão por ter agredido um pobre coitado que esbarrou nele sem querer. O pobre parecia ter sido atropelado tal a quantidade de hematomas e ossos quebrados que certamente o marcariam para o resto da vida. A mãe, não suportando os sofrimentos causados por Nonato e já sendo maltratada também pelo filho veio a falecer triste, sozinha e doente, abandonada num leito de hospital. Seu corpo foi enterrado em cova rasa e sem cortejo, pois os dois nunca a foram visitar e talvez nem tenham notado sua falta.
Certa vez apareceu uma moça aparentando seus dezoito ou dezenove anos, muito meiga e educada fazendo compras na feira. Chegando na barraca onde Luiz Alfredo trabalhava, pediu um quilo de carré. Atendida sem ao menos um bom dia seguiu seu rumo.
Só que o patrão da menina, também nordestino e com patente de capitão-médico desconfiou do peso da carne e foi até a feira para tirar a cisma.
Chegou e encontrou Luiz Alfredo amolando a faca de corte e sorrindo de canto de boca já pensando nos pobres e infelizes suínos, vítimas e válvulas de escape de todo seu ódio que na madrugada seguinte deixariam de viver.
O capitão pôs a carne na balança e quando viu que ainda faltavam alguns gramas para que um quilo fosse completado virou fera, começou a vociferar feito um louco, chamava o feirante de ladrão, safado, homem de má fé e outros adjetivos que não posso citar aqui. Do outro lado do balcão um Luiz Alfredo o encarava com seu olhar frio e com uma calma que só os animais que estudam sua presa têm, continuava a amolar a faca. De repente, quando o capitão se distraiu, numa rapidez impressionante Luiz Alfredo o atacou, com um golpe certeiro tirou-lhe parte do rosto com orelha e tudo.
Enquanto o capitão desesperado gritava de dor sendo acudido pela multidão, Luiz Alfredo calma e friamente espetou a parte do rosto que tinha decepado do pobre homem e o colocou na balança ao mesmo tempo que perguntava: _Tem um quilo agora meu chefe?
Aproveitando-se da confusão se infiltrou no meio do povo e desapareceu. A multidão enfurecida foi para a casa do agressor e sem saber que o pai dele, embriagado, lá dormia, atearam fogo deixando-a em cinzas. Era o fim de Nonato que morreu sem saber da última proeza de seu “pimpolho”.
Luiz Alfredo desapareceu e nunca mais foi visto em São Gonçalo. O capitão, apesar das várias operações sofridas ficou com o rosto deformado. Sua carreira militar teve que ser interrompida e sua vida se tornou uma tristeza só. Jurando vingança partiu Brasil afora e só descansaria o dia que se encontrasse cara a cara com seu desafeto e tirasse a forra da agressão sofrida, depois desse dia, que Deus o guiasse por onde quisesse...
>>> Continua na próxima quarta-feira...
*O coisa ruim, o anti-Cristo.*
Entre no nosso grupo de WhatsApp AQUI.
Entre no nosso grupo do Telegram AQUI.
Ajude a fortalecer nosso jornalismo independente contribuindo com a campanha 'Sou Daki e Apoio' de financiamento coletivo do Jornal Daki. Clique AQUI e contribua.
Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.