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Água-viva alemã sambando com o tigre gonçalense



Independente do décimo primeiro lugar, neste carnaval, nos olhos do tigre brilhou o amor de centenas de gonçalenses apaixonados na Sapucaí. Esses mesmos olhos também foram testemunhos de um não menos apaixonado, porem desengonçado gordinho com nome de gringo fantasiado de água-viva nadando a favor da correnteza de alegria apoteótica.

Minha aventura para desfilar na escola de samba mais querida do gonçalense não começa na avenida. É meu amigo leitor, vida de água-viva na Sapucaí não é fácil e tive que passar por alguns estágios para cair no samba.

Tudo começou quando faltando menos de duas semanas para o desfile recebo o irrecusável convite. Porem, tinha uma missão a cumprir. Não faltar a nenhum ensaio e ainda fazer um desfile técnico no Patronato antes do à vera. Moleza, não é? Poderia ser para qualquer um, mas eu, com uma tremenda inflamação no tendão de Aquiles era missão impossível. A não ser como destaque em um carro alegórico. Eu, um verdadeiro Deus grego, seminu rebolando em cima do carro alegórico? Não, isso não é pra mim! Prefiro me entupir de Alginac 1000 e rezar pra fazer efeito e não mancar na avenida.

Estava eu uma hora antes do combinado cheio de antiinflamatório nas ideias prontinho para ensaiar. Antes o combinado era passar na administração da escola para tirar minhas medidas, numero do calçado e saber direitinho qual seria a minha ala. Olhei no cantinho esquerdo assim que passam as roletas uma portinha escrita administração e fui entrando. Dou uma olhadinha nos olhos do sujeito que esta na porta e cumprimento com a cabeça como se o visse todos os dias. Essa técnica eu já usava adolescente quando entrava de penetra em festas que não era convidado. Bom, voltando a salinha da administração, vejo uma escada caracol e dando pala de atleta subo rapidamente para marcar presença, mesmo com a dor no tendão.

- Boa noite, meu nome é Alex e fui convidado para fazer bonito na Sapucaí.

Ela ficou olhando pra minha cara por um tempo sem esboçar nenhuma reação e apenas solta um: - Hã?

É não fui feliz na minha primeira impressão, mas não perco o rebolado: - Meu nome é Alex Wölbert e fui covidado para desfilar pela Porto da Pedra.

- Há, sim. Seu nome está aqui. Você coloca o tamanho de manequim aqui nesse papel, o seu numero de calçado, a sua ala é vaga-lume e procure a Adriana.

Ai foi o meu momento pensador com a cara de tacho olhando pra ela me passando pela cabeça como seria eu de vaga-lume na avenida. Depois de pensar e repensar em centésimos de segundos relaxei e encarei o fato. Não seria menos ou mais macho ter o bumbum piscando na avenida. Assinei a fichinha, tasquei o Extra G para o tamanho da fantasia (melhor sobrar do que faltar) e fui procurar a tal Adriana.

Não foi difícil encontra-la, que me recebeu muito bem e meu deu todas as dicas para não fazer feio no desfile. Me entregou um papel com o samba enredo e pediu para que decorasse o samba, pois conta muito a escola que conhece o samba de cor.

Não vou fazer feio e antes de começar o ensaio ainda dei uma lida no samba enredo. “Há uma luz que nunca se apaga...”, esse era o enredo. Bom, não é da Ampla que estão falando, pois se fosse já teria pelo menos dado uma piscada ou pior, apagado de vez.

Quando a bateria começou a impor seu ritmo e o interprete Anderson Paz começou a cantar o samba não deu pra ninguém, me sacudi e não parei mais. É como uma seção de relaxamento, você esquece as contas para pagar e só pensa em se sacudir e cantarolar o samba. Aquela quarta-feira foi inesquecível, saí da quadra surdinho e rouco, mas valeu muito a pena. Agora era descansar para estar inteiro no ensaio técnico do Patronato no próximo domingo.

Estava marcado para as 20 horas, mas como sempre cheguei uma hora antes para o reconhecimento do terreno. Só começou mesmo às 22 horas quando o caminhão com os instrumentos chegou. Ai foi só alegria, olha eu lá sambando e acenando para a galera que curtia o ensaio ali na Praça dos Ex-Combatentes como se estivesse na Sapucaí. Estava concentradíssimo na transição da marcação e o repique modulando a conversão quando por mim passou uma morena de parar o transito e começou a rebolar olhando na minha cara. Não tem outra explicação, só pode ser o gabiroto tentando acabar com a harmonia da escola e pior, com o meu casamento. Espero que a minha mulher não leia esse texto, mas puxei a morena pelas mãos e falei no seu ouvido.

- Você destroi com qualquer harmonia.

Ela sorri, e com a imponência de quem tem o rei na barriga fala: - Eu sei!

Um diretor de harmonia que nos acompanhava viu a cena me chamou na chincha e por sorte, ou azar, sei lá, o tinhoso em pele de morena gostosa sumiu entre a ala. Pedi desculpas ao meu diretor e voltei a minha concentração para não fazer feio na Sapucaí.

Ainda tive o ultimo ensaio, mas não vou perder mais tempo. Vou direto ao ponto, aquele 14 de fevereiro de 2015 que vai ficar na memória para o resto da minha vida. Minha estreia na Marques de Sapucaí desfilando pela a escola do meu coração. Nesse dia também peguei a minha fantasia e para minha surpresa era água-viva e não mais um vaga-lume. Peguei o ônibus na quadra às 20 horas para desfilar as 2:30 horas da madrugada.

Nossa, como a água-viva sofreu dentro daquele ônibus lotado com um calor de assar e para piorar chegando na Francisco Bicalho um engarrafamento de não sair do lugar. Sofri, mas depois de 2 horas naquele ônibus cheguei na concentração marcada em frente ao Balança Mais não Cai.

Marinheiro de primeira viagem, não sabia o que fazer, e abobalhado com a beleza dos carros alegóricos fiquei mais perdido que cego em tiroteio. Mas seguindo o conselho do falecido velho guerreiro, de quem não se comunica se trumbica, cheguei até um ser iluminado que me orientou que ficasse atrás do segundo carro e ali encontraria minhas companheiras águas-vivas. Ali fiquei, mas nada da minha ala aparecer. Era a solitária água-viva, e quanto mais o tempo passava mais ficava preocupado em atravessar sozinho a avenida. Já ouvindo os fogos da entrada da escola suspiro aliviado quando vejo aquele cardume de águas-vivas vindo em minha direção. Nossa, como aquele ataque que água-viva me fez bem.

Amigo leitor, agora tudo que eu disser no texto não vai ser nem um décimo da emoção de atravessar a avenida. Inenarrável, nada se compara. A alegria de estar ali compartilhando com todos a minha volta e olhar para arquibancada lotada com pessoas te assenando me fazia acreditar que fosse o camisa 10 decidindo o jogo e o campeonato para o Porto da Pedra Futebol Clube no campo do Cordeiro em Santa Izabel. Sim, isso mesmo, a escola de samba mais queria de São Gonçalo começou nos anos 70 como clube de futebol e já foi até campeão gonçalense no ano de 1975. Em março de 1978, foi oficialmente registrado como um bloco de enredo chamado “Bloco Carnavalesco Porto de Pedra” e 3 anos depois em 1981 chegou a categoria de escola de samba.

Esperava que minha estreia na Sapucaí rendesse o título e a volta da escola para o grupo especial, mas infelizmente não foi assim que aconteceu. Uma coisa é certa, no proximo carnaval estarei firme e forte defendendo as cores vermelha e branca do tigre. Por que ganhando ou não, com Alginac ou sem Alginac, a paixão pela escola é como no verso da letra do samba. É luz que nunca se apaga.

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