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Betto Cinco Letras: Cinquenta anos de amor ao Cubango, por Oswaldo Mendes


Betto/Foto: Arquivo pessoal
Betto/Foto: Arquivo pessoal

Há pessoas especiais, talvez seja o dom da criação ou a forma de ver o mundo, mas há. Pessoas aquinhoadas de qualidades positivas, difíceis de colocar em uma simples folha de papel. Orgulhosos aqueles que ao bater um tambor, quando em um coité se bebe ou se dança com os pés no chão e, com esses atos homenageiam seus ancestrais.


“Hei de guardar seu nome”, disse o poeta.


É preciso muita força e consciência para se manter a tradição, os costumes e a memória dos antepassados num mágico bailar como guardião de um estandarte. Não são só as cores verde e branco: é história, emoção e ancestralidade.


Nascido no Hospital Antônio Pedro, filho do Sr. José Mendes, militar oficial da Marinha, viajava muito, e da Sra. Adélia, tendo como avô Athaídes Mendes. Foi criado no Paraíso e Venda da Cruz. Seus parentes não se envolviam muito com samba ou religião, mas seu gosto pelo samba veio muito cedo.


Muito novo, morando no Paraíso, local atualmente denominado Praça do Gradim, conhecido também, à época, como Beco, perto do antigo forte. Gostava de assistir aos ensaios do Xavantes do Paraíso. Com oito anos de idade insistiu com seu saudoso pai para ver o bloco Xavantes do Paraíso desfilar em Niterói, na Rua Visconde de Uruguai.


Chegando lá verificou que havia outros blocos, dentre eles: Bugre do Cubango, Cacique da Zona Norte, Acadêmicos do Manda Brasa e outros que utilizavam como fantasias o modelo de índio.


O Xavantes do Paraíso era composto só de índios, sem bateria e com banda de música e, coincidentemente, encontrou um primo que era integrante da Agremiação Gonçalense. Muitas crianças ficavam com medo das fantasias e alegorias que os integrantes utilizavam, como as pinturas, penachos, cobras, etc. Betto adorava.


Olha, veja nosso sorriso. Nós somos Xavantes do Paraíso/ Dança nêgo, dança nêgo. Dança pra mostrar ao povo/ Como que é lindo. Como que é lindo nossa dança de caboclo”, era uma das músicas cantadas pelos integrantes do Xavantes.


Quando veio morar na Venda da Cruz, bairro limítrofe entre São Gonçalo e Niterói, garoto novo, começou a frequentar o samba na poeira do Bafo do Bode e ali morava um senhor chamado Sr. Ézio, o qual era vice-presidente da Unidos do Viradouro, na época as cores eram azul e rosa, cores essas alteradas pelo então saudoso presidente Albano. Ézio, conversando com o pai de Betto pediu autorização para levá-lo ao GRES Viradouro, mas o Betto não quis, pois nunca havia desfilado em nenhum bloco.


Em1970, foi num baile de carnaval na antiga fábrica da extinta Fiat Lux, no Barreto, com dois saudosos amigos, Valdemir e o Macalé. A monotonia de ficarem rodando no salão não agradou a eles e veio assim a ideia de irem para Niterói assistir aos desfiles de escolas de samba e blocos carnavalescos. Combinados do Amor, Corações Unidos, Mem de Sá e outras agremiações desfilavam, mas quando veio o Cubango, Betto lembra que o corpo arrepiou e prometeu que no ano seguinte sairia naquela agremiação, mesmo sem conhecer ninguém. Hoje contempla cinquenta anos de amor, paixão e orgulho ao Cubango.


Os clubes extintos Vila Lage, Metalúrgico e Fiat Lux davam muitos bailes e num desses, na Fiat Lux, veio a conhecer integrantes do Cubango e Ney Ferreira. Apresentado ao Ney como o “Homem do Cubango” para o qual pediu para desfilar na agremiação e como resposta veio para que aparecesse “lá em baixo para conversarmos. Lá no Ponto”. Ponto era o Ponto de Encontro de Sambistas na Rua Visconde do Uruguai e Rua Coronel Gomes Machado, chamado antigamente de “República do Samba”.


Comparecendo à República do Samba e encontrando com Ney Ferreira ficou marcada sua ida ao Clube Fluminense para ser apresentado ao Timbó, isto para quando começar o ensaio da Ala da Esnobação – ala de coreografia, em 1971. No primeiro ano começou a ter bom desempenho para inclusive ensinar coreografia, sendo alçado para ser um dos “testas” da ala.


A Ala da Esnobação buscou outros caminhos indo então para a Viradouro, mas Betto permaneceu na GRES Cubango e recebeu convite para desfilar na Diretoria. No ano seguinte, Mário Dias juntamente com Neli Nogeda o convidaram para o palco como Mestre de Cerimônia – MC, e ali permaneceu até nossos dias, sendo também Diretor de Comunicação e integrante do Conselho Soberano do GRES Acadêmico do Cubango.


Na modelagem atual dos desfiles considera-se que as “Alas de Coreografias atrapalham o desfile” e assim foram banidas do carnaval. Betto replica que deve ser revista esta decisão e adequação e dá como exemplo a histórica e tradicional “Ala Maculele do GRES Salgueiro”, com “Carlinhos do Salgueiro”.


Dentre as diversas histórias contadas pelo Betto tem a do carnaval de 1977, quando ele ainda era noivo de uma menina do Viradouro e saindo da casa dela encontrou alguns amigos, os quais o convidaram para ir ao samba da Souza Soares. Lá chegando encontraram o Leleco, mulato forte de olhos verde, que perguntou o motivo por que ele estava parado e Betto respondeu brincando que na verdade ele era Mestre-Sala.

Betto recebendo reconhecimento do vereador Magaldi/Foto: Arquivo pesoal
Betto recebendo reconhecimento do vereador Magaldi/Foto: Arquivo pesoal

O Leleco, sem sua permissão, o escreveu num concurso de Mestre-Sala que aconteceria exatamente naquele dia naquela agremiação carnavalesca e avisou ao Betto: “Se você dançar eu pago meia dúzia de cerveja, caso contrário vou te dar uma coça”. Com um convite tão carinhoso ele não só dançou como venceu o desfile. Desfilou nesse ano no Segundo Grupo do carnaval de Niterói também na Souza Soares recebendo a nota máxima, dez. A Porta-Bandeira era Romana. A Souza Soares subiu e ele não quis desfilar contra a Cubango, assim dispensando o posto de Mestre-Sala. Voltou somente para a Ala da Esnobação, no Cubango.

Conta também que no carnaval de 1985, em Niterói, houve um problema com o Mestre-Sala do Cubango. Ney Ferreira o “intimou” a desfilar como Mestre-Sala e teve a honra de ocupar esta nobre função por dois anos no GRES Cubango.


Conta que também gostava de jogar um futebol. Campos de futebol e áreas de lazer eram muitos: Galvão, Cinco de Julho e Fluminense, dentre outros. Na Praia das Charitas, em Niterói, existia o “Grupo das Sereias” idealizado pelo saudoso presidente e festeiro Ademir Lourenço - Miro Rei, e alguns dos integrantes desse grupo participavam de um futebol às segundas-feiras no Fluminense de Niterói.


Certo dia, no vestiário, antes do futebol no Fluminense de Niterói foi necessário realizar uma lista para angariar fundos e tinha naquele momento mais outros quatro “Betos” no local: Beto Funil, saudoso Beto Boca de Cabrito, Beto Cabeção, Beto do Pandeiro e o nosso Beto, até então com quatro letras, de onde veio a ideia de diferenciar. Assim nasceu o “Betto Cinco Letras”. O apelido pegou. Lembrando ainda que naquela época motel também era denominado como “cinco letras”.


Relembra com carinho e afeto das realizações de Magaldi – Carlos Alberto Pinto Magaldi, inclusive a revitalização do carnaval de Niterói foi realizada através dos então vereadores Bagueira e Magaldi, onde Betto Cinco Letras participou da Primeira Comissão da Revitalização do Carnaval de Niterói, juntamente com Ito Machado, Ney Ferreira, Enésio, Bernardo, André Nogueira e a Neltur – empresa municipal de turismo da cidade de Niterói.

Ressalte-se que o carnaval de Niterói sempre foi considerado o segundo melhor carnaval do país, mas em função de opções político-religiosas perdeu essa condição. As questões ligadas à cultura afro-brasileira sempre foram, e continuam sendo combatidas de forma indireta, preconceituosa e maléfica, por pessoas que ligam a cultura à prostituição, imoralidade, marginalidade ou ao demônio.


Um povo sem identidade, sem reconhecer suas raízes, sua ancestralidade, passa a ser na verdade um bando, muito mais fácil de ser manipulado.


Alerta ainda que muitas escolas de samba estão tentando resgatar o vínculo com as Comunidades. Sem chão na escola é muito difícil. Conta ainda, com tristeza, o fim das alas-show e a minimização das alas de passistas na atual formatação das escolas de samba. “Passistas de verdade tem muito pouco”.


Mirem-se no exemplo. Cubango é raiz. Pura raiz. Betto Cinco Letras é Paixão pela vida, pelo samba, pela cultura e pela Verde e Branco.

Oswaldo Mendes é engenheiro.





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