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Sobre o direito de sofrer



É preciso ser feliz. Este parece ser o lema do momento. Todo o mundo quer ser feliz, todos buscam a felicidade. Parece que virou moda dizer “você tem que ser feliz” ou “eu só quero ser feliz”.

O que seria a felicidade? Talvez um alvo complexo, tão cheio de obstáculos e tão raro, que, para atingi-lo, seriam necessárias forças extraordinárias?

Não se permitem mais, hoje em dia, o choro, a tristeza, sequer a necessária melancolia diante da vida. Sim, necessária para o olhar crítico ante os dramas da humanidade. É preciso estar sorrindo. O tempo todo.

Ora, como alegrar-se quando se perde um ente querido, quando se termina um casamento ou quando se perde um emprego? Tenho a impressão de que deletaram o luto do banco de sentimentos humanos. Todas as pessoas sofrem, mais ou menos, muito ou pouco. A vida inteira ou por alguns anos, o fato é que a dor existe e precisa ser enfrentada sim, porém, antes, precisa ser sentida, sofrida, refletida internamente. Parece que jamais seremos capazes de seguir em frente após uma perda apenas porque estamos maturando e amadurecendo a situação dentro de nós mesmos, porque sempre tem aquele “alegrinho” que vem dizer: “você tem de reagir”, “você precisa superar”, “você tem o direito de ser feliz”.

E se eu não quiser superar, pelo menos, por um tempo? Serão mesmo todas as angústias “superáveis”? Quem “supera” a dor de perder um filho, por exemplo? Se eu quiser sofrer, chorar à ocasião do término de uma relação que era importante para mim, sem dar ouvidos à famosa frase da atualidade, tão cheia de descartabilidade, “a fila anda”, tenho de fazer isso. Por que o mesmo que me dá o direito de ser feliz não me dá o direito de penar?

Porque sofrer necessariamente amadurece, aprimora o ser humano, aperfeiçoa a sua atitude diante da vida. E ninguém quer amadurecer. Preferem viver a juventude eterna, a do tênis da moda, do macarrão instantâneo, a juventude da casa dos pais. Uma alegria intensa, insana, impensada, que não permite que se compreenda a efemeridade da vida, o grande desespero humano. Sorrir o tempo todo demonstra muito mais os medos de uma pessoa do que a sua coragem.

Flavia Abreu é professora de Literatura e blogueira da Casinha Bonitinha e De Pé Quebrado

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