A decadência da cerâmica gonçalense, uma segunda versão, por Erick Bernardes
A página do Jornal Daki publicou há dias excelentes informações acerca do passado industrial de São Gonçalo. A cerâmica fundada no meado do século XX, e que motivou o nome do sub-bairro homônimo, já recebera um outro registro de olaria, muito antes do administrador alemão da nossa crônica anterior ter conduzido a produção de artefatos feitos de argila. Exatamente, desde 1870, telhas e tijolos aos montes cozinhavam nos fornos de barro do município gonçalense, mais especificamente no que hoje é denominado sub-bairro Cerâmica. O que pouca gente sabe é que descobrimos um dos fatores mais impactantes na derrocada econômica da tal cerâmica, antes de se transformar em Cerâmica Porto do Roza. Quer conhecer a história? Vem conosco.
Em pesquisa um tanto sofrida (internet ruim) na biblioteca digital da Emater, soube um pouco mais sobre a qualidade dos produtos feitos com barro e outros materiais similares. Exatamente, isso está ligado à madeira servida de lenha no cozimento das peças de olaria. Perfeito, o cronista aqui consultou o neto de um dos antigos "mestres de fornada" ou "ceramistas de chão", conforme eram conhecidos esses profissionais. Segundo ele: "a questão é que a madeira da lenha utilizada determinava decisivamente a qualidade da cerâmica a ser fabricada. Logo, as toras dos chamados paus-de-mangue reinavam absolutas nas preferências dos mestres ceramistas de São Gonçalo. Mas, claro, isso antes dos fornos funcionarem à base de combustível líquido", finalizou.
No começo do século XIX, os mangues das praias da Guanabara abundavam em madeira de pau-de-mangue. Dentre as espécies: mangue branco (Laguncularia racemosa); siribeira, mangue siriba ou preto (Avicennia germinans e Avicennia schaueriana) e mangue sapateiro ou vermelho (Rhizophora mangle). Incrível como essas espécies produziam calor por maior tempo do que a madeira mais barata e comercial. Consequência disso? Exato, diminuição desse material lenhoso ao longo das décadas.
A oferta desse tipo de combustível para cozimento das telhas e tijolos decaía absurdamente. Ainda mais que a queima da lenha concorria com os pescadores que utilizavam também dos paus-de-mangue para confecção dos chamados currais de pescas. Cada curral continha entre 130 e 150 desses troncos de manguezal. Se existia reflorestamento inteligente ou produção industrial sustentável? É ruim, hein, isso nem se falava na época. Deu no que deu; escassez das já ameaçadas espécies vegetais; órgãos reguladores em suas investidas proibitivas. E assim estava encerrada a extração da flora do manguezal. Os fornos de barro tiveram que engolir os tais eucaliptos e pinhais. Até óleo diesel utilizaram também! Ruim, muito ruim a produção. Sem pau-de-mangue o material ficava fraco e de pouca longevidade na queima. Menos denso, maior oxigenação e pico enorme de temperatura em pequeno espaço de tempo. Fracasso em doses homeopáticas. Todo mês perdiam dois ou três clientes. Ainda se comprava pau-de-mangue clandestino, mas era caro.
Enfim, não deu, de fato a olaria fechou as portas após agonizar bastante. E, cá entre nós, acho até que aguentou demais.
Fonte:
Manguezais: educar para proteger / Organizado por Jorge Rogério Pereira Alves. - Rio de Janeiro: FEMAR: SEMADS, 2001.
Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.