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A melancolia do Calçadão de Alcântara domingo à noite, por Mário Lima Jr.


Foto: Reprodução Internet
Foto: Reprodução Internet

O Calçadão de Alcântara é o centro comercial mais movimentado de São Gonçalo. Em 2019, o jornal MeiaHora estimou que 70 mil pessoas circulam por ali por dia. No ano seguinte, uma matéria no UOL afirmou que esse número chega a 200 mil pessoas diariamente. O gonçalense sabe que o Calçadão representa a intensidade da vida se movimentando. Com as lojas fechadas fora do horário comercial e sem a presença dos clientes, o Calçadão oferece o oposto da vida. Principalmente no início das noites de domingo, auge da paralização das atividades, sobra a morte, a ausência e o resto.



A multidão que de segunda a sábado passa embaixo do viaduto em direção ao Calçadão é substituída por algumas idosas solitárias indo à Missa, bêbados isolados do mundo e loucos vagando. Ao invés do público carregando sacolas de compras até embaixo do suvaco, o catador de latinhas arrasta devagar um saco cheio delas. O barulho perturbador do atrito entre o alumínio e o chão faz desejar a volta das caixas de som ilegais reproduzindo a propaganda de dezenas de lojas em dias úteis.



O mendigo tem a liberdade de escolher embaixo de qual marquise deitará, sem ser expulso por seguranças ou pela Guarda Municipal. Antes do sono, ele observa toda extensão do Calçadão e de vez em quando fixa o olhar em um ponto aleatório como se do vazio fosse surgir, a qualquer momento, o povo que está acostumado a ver.



De aproximadamente 800 camelôs, como cita a reportagem do UOL assinada por Herculano Barreto Filho e Caio Blois, vendendo desde iogurte roubado a relógios falsificados, no meio do Calçadão, perto da galeria da escada rolante, fica um vendedor de discos de vinil exibindo em seu acervo, jogado no chão mesmo, obras de bandas como Legião Urbana, The Smiths e REM. Dezenas de metros à frente, já na curva da antiga Tele-Rio, alguns espetos de churrasco envelhecem dentro de uma bandeja com molho à campanha sobre uma churrasqueira apagada. Desistente e cabisbaixo, o churrasqueiro costuma ficar sentado em um caixote de madeira fumando enquanto espera a segunda-feira chegar para o movimento aumentar.



Depois das 8 horas da noite, na saída da última Missa, às vezes um carrinho de pipoca aparece entre o Pátio Alcântara e a Igreja. Nem sempre o pipoqueiro está ao lado do carrinho, o que aumenta a desconfiança dos raros clientes interessados na promoção dos últimos milhos de pipoca murcha.



Você pode abrir os dois braços andando no Calçadão e ouvir os próprios passos num domingo à noite, algo impossível em dias úteis. A sujeira toma conta do local. Levados pelo vento, papelão e plástico se espalham no meio e nos cantos do Calçadão, como um salão de festas após uma comemoração longa. Mas no Calçadão de Alcântara ninguém comemora nada, a sujeira é resultado do histórico mau aproveitamento do potencial dos gonçalenses para produzir e sobreviver.


Mário Lima Jr. é escritor.




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