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Na favela gonçalense, o Bar da Esperança continua fechado, por Mário LIma Jr.


Entre o Barranco e a Caixa d’Água, comunidades do bairro Raul Veiga, já era raro o Bar da Esperança abrir nas semanas anteriores à pandemia do novo coronavírus. Veio a doença, ele nunca mais abriu as portas e provavelmente continuará fechado. Os estudos do Congresso e do Governo Federal com o intuito de ajudar pequenas empresas não incluem bares cercados pela pobreza e pela violência. O Estado não alcança onde não tem permissão para entrar.


Quando uma empresa acaba por dificuldades financeiras causadas pela crise econômica atual, empregos são perdidos, investimentos dão prejuízo. Quando um bar humilde chamado de “esperança” no meio da favela para de funcionar, o impacto na economia é bem menor. Cruel é o efeito na vida da família que tirava do bar alguns trocados pra sobreviver e na rotina das pessoas que moram no entorno. É a esperança literalmente se acabando, favelado não conta com terapeuta, coach ou especialista em hipnose. A fonte de conforto é o amigo encontrado na rua, no futebol e principalmente no bar, qualquer dia da semana.


A maior obra criativa na história humana são os nomes de bares. No Bar da Esperança mal cabem três homens espremidos, seria impossível se adequar às novas regras de atendimento respeitando o distanciamento social. É aquele tipo de estabelecimento onde o cliente não entra, grita da porta e o dono vem atender. Quando a cachaça chega, os dois apoiam os cotovelos no balcão e descem juntos o álcool pela goela.

Mesmo completamente fechado há meses, o bar está intacto. Da rua vemos uma parede verde-água estendida até perto da calçada, parede onde o letreiro foi escrito em vermelho com letra de fôrma. Também vemos a fachada do estabelecimento, que não tem nada além de um balcão e uma porta de madeira que abre pra cima e é presa num gancho no teto. Eu poderia tentar fotografar, mas tirar foto em favela sem autorização do tráfico não dá bom resultado e tenho um filho pra criar.


Nem o carro do Google Street, que é corajoso, entrou na rua do Bar da Esperança, a Nonato Faria. A foto com esse artigo é de outro, no mesmo bairro. A pobreza naquele trecho é tão grande que assusta os demais moradores do quarteirão. “Gente, ali só tem casa ruim”, dizem. É a desigualdade dentro da desigualdade. Há mais casas sem reboco, no tijolo cru, do que o normal em São Gonçalo. Elas são amontoadas em duas direções: para o alto, formando pilhas, e para os fundos, como vilas desordenadas. Os moradores penduram roupas pra secar na frente das casas, onde também batem papo e fumam.


Enquanto continua de pé, o Bar da Esperança serve como incentivo à vida, pelo menos. Duas crianças brincam no chão grosso, tão cuspido pelos bebuns, a partir das sete horas da manhã (quanto mais pobre, mais importante brincar). Morena, de cabelo crespo e loiro, uma menina sempre descalça se diverte com uma boneca velha. No mesmo lugar brinca um garoto forte, de uns oito anos, que adora puxar o rabo do gato que circula por ali. São Gonçalo descerá mais um nível para o inferno no dia que essas crianças não tiverem mais o letreiro vermelho ao lado delas. E a cidade poderia seguir o caminho inverso se a esperança fosse convertida em respeito pelos mais pobres e políticas públicas.

Mário Lima Jr. é escritor.





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