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O buraco na parede, por Fábio Rodrigo


No alto da parede da cozinha havia um buraco pelo qual se passava uma tubulação de água. Pela abertura de aproximadamente 10 centímetros adentrava o cano de meia polegada. O vão deixado não era um problema para os donos, pois não ofereceria risco de seu gato passar por ali, visto que o gatinho de poucos meses de vida não tinha condições ainda de atingir o alto da parede.

Mas os meses foram passando e o gatinho foi adquirindo aos poucos a capacidade de dar saltos mais altos. A meta do gato era chegar ao alto da parede e passar pelo vão que havia nela. O tempo passava e aproximava-o desse grande feito. Seu objetivo era o buraco da parede. Apenas isto. Mas não era somente alcançar o vão e sim penetrá-lo a fim de chegar até o outro lado da parede. O outro lado era para ele um mundo novo, desconhecido. A abertura do vão ainda permitia que ele fizesse isso. Obviamente, com o tempo, ele vai ganhar corpo e chegará a hora em que não será mais possível realizar tal proeza. Portanto, o momento era agora. Não podia perder tempo.

Depois de várias tentativas frustradas, conseguiu finalmente chegar ao buraco. A sensação de dever cumprido não estava totalmente realizada. Era hora de passar pelo vão. O medo do desconhecido o fez pensar em desistir. Percebeu que podia ir mais longe e entrar no buraco. Por que não? Não havia possibilidade de ficar preso. E viu que não podia desistir mesmo. Era o seu maior sonho. Atingira finalmente o ápice de sua vida: passar pelo buraco no alto da parede. Era o momento único da vida do gato. Era a prova de que seu salto já atingira altura culminante. Era a prova de que ainda tinha corpo para passar pelo vão. O momento fez com que o “já” e o “ainda” cruzassem o mesmo caminho.

No entanto, o deslumbramento com o desconhecido não aconteceu. Do outro lado da parede, uma fiação elétrica clandestina eletrocutou o gato.

Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.



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