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Os poderosos de Tamandaré estão habituados a abandonar crianças pobres, por Mário Lima Jr.


Foto: Reprodução Internet
Foto: Reprodução Internet

“A saudade do meu filho aperta que penso que vou morrer”.


Mirtes Souza, mãe de Miguel Otávio, contou que não suporta mais a ausência do filho em um artigo escrito para o The Intercept Brasil e publicado há seis dias atrás. Miguel caiu do 9º andar de um prédio de luxo em Recife, em junho do ano passado, depois de ser enviado de elevador sozinho à cobertura do prédio por Sarí Côrte Real, na época primeira-dama da cidade de Tamandaré, município no litoral sul do estado de Pernambuco. Miguel tinha 5 anos de idade.


Tanto descaso com a vida de uma criança não se encaixa no papel tradicional exercido por uma primeira-dama, que é o de se preocupar com o bem-estar comum e promover projetos de desenvolvimento social. Também não combinava com as lembranças alegres que tenho de Tamandaré, cidade de povo amoroso onde meu pai nasceu e morou até os 17 anos e ainda vive a maior parte dos meus tios e primos. Voltando à Tamandaré após 18 anos distante, a maldade de Sarí não pareceu tão estranha assim ao cotidiano da cidade.


Na estrada em direção aos bangalôs vendidos a R$ 2 milhões na paradisíaca Praia dos Carneiros, crianças reviram o lixo em busca de algo útil. Sob o sol, vendem frutas no acostamento para os motoristas. Há menores de idade trabalhando até no centro de artesanato municipal. Os programas administrados pelo Conselho Tutelar para combater o trabalho infantil não são capazes de resolver o problema maior: não há nenhum sinal de sociedade entre os donos do poder econômico e o restante da população, deficiência que pode ser percebida com um giro do olhar.


Enquanto atende às necessidades da minoria que paga por serviços como limpeza e passeio com animais, o pobre que suporte suas injustiças. Entre as propostas apresentadas por Sergio Hacker, marido de Sarí, que não conseguiu se reeleger como prefeito, o item “Levar água para as torneiras dos cidadãos, através da construção de poços artesianos” explica parte do contexto municipal. Há pessoas sem água na torneira na mesma região onde um grupo privado (não sem envolvimento do poder público) constrói um parque aquático com resort para turistas de 250 mil metros quadrados. Tamandaré é explorada sem que seu povo conquiste algum benefício definitivo.


Dona de praias lindas e de um mercado turístico caro que inclui pousadas e restaurantes na beira do mar, o conflito entre pobreza extrema e sofisticação se torna mais evidente do que em outros cantos do Brasil. Em Tamandaré sobra dissimulação e falta vergonha na cara de quem tem dinheiro e manda na cidade. Ainda no hospital em que Miguel foi atendido, Sarí disse à mãe do menino que ele havia fugido do apartamento, dado “um drible” nela, entrado no elevador e ela não conseguiu segurar a porta. Na delegacia, as imagens das câmeras mostraram a verdade, Sarí colocou Miguel no elevador e apertou o botão da cobertura.


Em outra fraude criminosa, embora o marido de Sarí tenha declarado ao Tribunal Superior Eleitoral um patrimônio de R$ 720 mil, quem pagava o salário de Mirtes como empregada doméstica da família Côrte Real era a população de Tamandaré, que em média ganha um salário mínimo e meio. Durante anos Mirtes era cadastrada como funcionária da Prefeitura sem nunca ter pisado lá. Para os poderosos de Tamandaré, a vida do pobre pode ser usada em benefício próprio por ter pouco valor, não importando a idade.

Mário Lima Jr. é escritor.




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