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Pati... A inesquecível, por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Pati ou Monalisa?
Pati ou Monalisa?

Toda sexta feira era a mesma coisa. Eu passava pela rua, ela da janela me via e corria para o portão. Com aqueles olhos castanho-mel ficava me olhando, respiração ofegante, dentes brancos como as brumas do mar. No pescoço um colar com uma medalha escrito Pati. Deveria se chamar Patrícia eu pensava. O que me deixava encafifado é que ela só me olhava, um olhar que não dava pra saber se era com simpatia, desdém, raiva, sei lá. Eu sabia que ali tinha um sentimento, só não sabia qual. Comecei a passar cada vez mais perto na esperança de um dia poder tocá-la, mas ela não me dava certeza de que eu poderia fazê-lo.


Um dia passei e não a vi. Talvez, pelo adiantado da hora, estivesse dormindo, ou, quem sabe teria perdido o interesse em mim. Não, isso não. Ela não tinha jeito de desistir de seus objetivos tão facilmente. Notei que tinha alguém na janela, mas não olhei, fingi não ver. Teve até uma vez em que eu estava no bar e uma mulher entrou me olhando com cara de poucos amigos. Eu não a conhecia, nem liguei pra ela. De repente ela me cumprimenta, eu respondo educadamente e ela num tom ríspido me pediu para que eu não passasse mais por sua calçada. Por vários dias ela tinha notado que eu passava cada vez mais perto de seu portão e que já tinha problemas demais, não queria saber de mais um. Seu marido, um coronel reformado não gostava de estranhos se aproximando de Pati. Era aborrecimento na certa. Deixei que ela falasse. Não a interrompi e não a respondi. Ela deitou falação e foi embora. Fiquei aborrecido. Será que esse pessoal é racista? Pô! Nunca fiz nada de mais. Nunca faltei com respeito a ela e nem ao marido dela, aliás, nem os conhecia.


Quanto a Pati, nunca mexi com ela, só estava curioso para saber por que ela me olhava daquele jeito e também entender que sentimento havia naquele jeito, mas nunca me aproximei o suficiente para saber exatamente o que era, nem suposições eu fazia. Coitada da Pati. A casa tinha um quintal enorme e era toda cercada por grades altas com lanças nas pontas. Existiam também dois portões de garagem, um na parte da frente e outro na parte dos fundos, e, da mesma forma dois portões pequenos para passagem de pedestres. Todos os portões eram trancados com trincos enormes e cadeados grossos. Impossível sair sem que alguém ajudasse. Passei por lá umas vezes durante o dia e vi a Pati no jardim, seu olhar estava perdido no horizonte, em que pensaria? Numa dessas vezes ela me viu, até ameaçou vir a meu encontro, mas o coronel a observava da varanda, ela muito obediente, quando o viu estancou e só ficou me olhando com aquele jeito secreto que eu não conseguia decifrar. Até ontem.


Se existe alguém em quem eu acredito e respeito muito é um senhor chamado destino. Quando ele escreve tua história amigo não tem jeito. Vai acontecer. Vinha eu pensando na minha vida, tão cheia de afazeres que não percebi estar me aproximando da casa de Pati. Quando dei por mim já estava em frente ao portão, foi aí que notei que alguém ao passar deixou o portão aberto e ela estava ali, linda e soberana, me olhando com aqueles grandes olhos castanho-mel, sua respiração ofegava mais que das outras vezes, talvez a emoção de estar livre daquelas grades que a prendiam. Meu corpo ficou paralisado, queria gritar e a voz não saía, ela veio correndo em minha direção, corri também, corri o mais que pude, porém não foi o suficiente, ela me alcançou, abocanhou meu calcanhar, a batata da perna esquerda, a coxa, as costas, me derrubou e se não fosse o coronel chegar e gritar talvez tivesse me matado, ainda bem que ele chegou. Estou todo inchado das mordidas e das injeções que tive que tomar. Cadela filha d...!!! E eu querendo ser amigo dela, pois sim!

Paulinho Freitas é compositor, sambista e escritor.








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