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Saudades eternas - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Arte Jornal Daki a partir de foto em imagensbaloes.blogspot.com
Arte Jornal Daki a partir de foto em imagensbaloes.blogspot.com

Olhando para o céu num domingo pela manhã vi vários balões com bandeiras. Era o amanhecer feliz da cidade mais afetuosa do Brasil: São Gonçalo. Imediatamente me lembrei de uma história.



Nos anos oitenta a arte dos balões invadia os céus do Rio de Janeiro. Em todos os bairros turmas de baloeiros se multiplicavam e a cada mês de junho uma revoada de balões diurnos e noturnos, cada vez maiores, quase tapava o brilho das estrelas das escuras noites de inverno. Alcimar era responsável pelos fogos que as também cada vez maiores cangalhas que os balões carregavam e explodiam em brilho, cor e muito barulho pelos céus.



Numa casa vazia de centro de terreno no alto do morro de saibro onde hoje é o Shopping São Gonçalo, Alcimar confeccionava suas bombas manuseando pólvora com a perspicácia e competência de um grande químico, apesar de não ter nem o segundo grau. Numa dessas vezes ao tentar fazer uma enorme cangalha que o maior balão pião que São Gonçalo já tinha visto iria carregar, uma ponta de cigarro fumado no lugar e na hora errada pegou na pólvora causando uma grande explosão e transformando a velha casa em cinzas junto com o querido baloeiro.



O balão subiu quase um mês depois do ocorrido, não com uma cangalha de fogos, mas com uma bandeira enorme com o rosto de Alcimar desenhado nela e com os dizeres:


“SAUDADES ETERNAS IRMÃO!”


Uma multidão acompanhou a soltura lá no campo atrás da Igreja de Nossa Senhora das Graças ali no Porto Velho. O clube Brasileirinho, muito frequentado naquela época, não abriu e o comércio do Porto Velho ficou com as portas abertas pela metade em sinal de luto. Até o bar do Bolinha e a padaria do Jarrão que ficavam quase vinte e quatro horas abertos fecharam. O balão sumiu entre as nuvens. Os amigos de Alcimar passaram o dia bebendo e contando histórias que lembravam o falecido numa grande homenagem.



Do outro lado da Ponte Rio Niterói, uma comunidade começava a se formar, eram barracos feitos de madeira, folhas de zinco, papelão e todo material que pudesse ser utilizado para construir as modestas moradias para aquele povo que não tinha onde morar. O enorme balão com o rosto de Alcimar, depois de passar quase o dia todo procurando um lugar para descansar seu enorme bojo de papel Flor Post, cismou de cair ali, no meio dos casebres com muito fogo ainda em sua bucha.



Várias turmas de baloeiros do Rio de Janeiro estavam lá para disputar o balão a tapa ou à bala, no que estivesse mais à mão. Nesse puxa e estica, aperta e segura, o balão pegou fogo e pôs fogo em metade da favela, morreram ali umas vinte pessoas. A bandeira com o desenho do rosto de Acimar foi rasgada em muitos pedaços. O balão, todo branco com listas vermelhas levou quase um ano para ficar pronto e em menos de doze horas acabou com a vida e o sonho de 20 famílias que não tiveram nenhuma homenagem, nenhum balão e nenhuma bandeira, ficaram só com as “SAUDADES ETERNAS!”



Obs.: Esta é uma obra de ficção e é só para lembrar aos desavisados que soltar, confeccionar, transportar e vender balões é crime previsto no código penal, Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 com pena de detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Paulinho Freitas é compositor, sambista e escritor.










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