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Mutuá preserva tradição no município de São Gonçalo - por Erick Bernardes


Fotos: Erick Bernardes
Fotos: Erick Bernardes

Lendo o livro de Verônica Inaciola, Folias de Reis em São Gonçalo: irmandade e patrimônio (2018), me pego em recordações de sons e imagens da passagem dos Reis Magos pela casa da tia Ângela, lá no Mutuá. Havia fascínio e medo misturado ao tempero da minha existência. Claro, imagine o pavor que dá a qualquer criança frente aos gritos medonhos e sustos provocados pela figura do palhaço da Folia de Reis na residência dos meus parentes. Mas era bom, por mais que eu tentasse me esconder do mascarado, fazia parte, saudades, meu Deus! Eu já completara dez anos de idade e amava (e amo) essa manifestação cultural também encarada como devoção.


Incrível como o tempo passa e a cultura da comunidade entranha feito água de chuva em terreno fértil. Verdade, eu era menino ainda. Recordo, desde muito cedo, o bairro cheio de atrações populares, como as jornadas das Folias de Reis. Soube, depois de adulto, que o Mutuá mostrou-se em franco desenvolvimento, por causa da proximidade com o Rodo de São Gonçalo e por ter nascido junto de onde seria construída a BR-101 de hoje. Documentos de fundação revelam, além disso, uma considerável migração de militares e servidores públicos de localidades diversificadas. De acordo com o professor Rui Aniceto, vinham gentes de Aperibé, Itaocara, Campos dos Goitacazes, São Sebastião do Alto, Itaboraí, dentre tantos lugares, e fixavam residência em São Gonçalo. Sim, sotaques e hábitos, um caldeirão cultural que juntou tradições e caracterizou nosso município pelo que aqui existe. Era bom morar no espaço em ascensão; pertinho de Niterói, até então capital do Estado.


Tanta mescla de migrantes fez crescer o bairro chamado Mutuá. Misturaram-se culturas de regiões espalhadas pelo Rio de Janeiro e, talvez por isso, tenham assim surgido inúmeras curiosidades. Um desses fatos curiosos é a lenda de o bairro ter se originado de uma espécie de ave ou pássaro chamado Mutu ou Mutum, bicho típico da mata selvagem. Pois é, ao menos afirmam alguns moradores mais antigos das redondezas. Havia só mato, matagal imenso, antes de tudo começar. Outros garantem que a região recebeu a nomenclatura por causa do primeiro complexo de casas financiado pela Caixa Econômica aos seus respectivos mutuários. Daí a corrupção do termo mutuários reduzir-se a Mutuá. Eu mesmo não sei o motivo do registro. Confesso que nem me esforço por saber. Faço parte da parcela de gonçalenses despreocupada com essas histórias.

Ainda que uns inventem e outros torçam os fatos, importa (ao menos para mim) pensar no presente de uma tradição popular com a qual tive a experiência do contato. Sim, tradição linda preservada pelo Mestre Fumaça e a sua Bandeira Nova Flor do Oriente na Folia de Reis. Os versos melódicos soando como toadas de esperança por um mundo melhor: “Ô de casa, ô de fora/ Maria vai ver quem é... São José também chorou/ Porque viu seu filho moço/ Pregado numa cruz por tanto amor”. Maravilha de ver acontecer as profecias, legado cultural renovando-se a cada dia por meio do ritual.

No fim das contas, continuo fascinado pela anunciação da chegada do Menino Jesus pelos três Reis Magos e suas andanças pelo município gonçalense. Se, quando moleque, eu já admirava a tradição, imagine agora sabendo, por meio do estudioso Gustavo Mendel, a importância desse legado cultural resistindo em franca manifestação? Pois bem, necessário reconhecer: enquanto houver fé e devoção aos Reis Magos do Oriente, a anunciação estará presente nos corações dos mais antigos moradores do Mutuá.


>>> Publicado originalmente em 30/12/2018.


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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.


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