top of page

A decadência da cerâmica gonçalense, uma segunda versão, por Erick Bernardes


Ruínas do escritório da antiga Cerâmica Porto do Roza. Foto atual, contribuição de Paulo Paiva.
Ruínas do escritório da antiga Cerâmica Porto do Roza. Foto atual, contribuição de Paulo Paiva.

A página do Jornal Daki publicou há dias excelentes informações acerca do passado industrial de São Gonçalo. A cerâmica fundada no meado do século XX, e que motivou o nome do sub-bairro homônimo, já recebera um outro registro de olaria, muito antes do administrador alemão da nossa crônica anterior ter conduzido a produção de artefatos feitos de argila. Exatamente, desde 1870, telhas e tijolos aos montes cozinhavam nos fornos de barro do município gonçalense, mais especificamente no que hoje é denominado sub-bairro Cerâmica. O que pouca gente sabe é que descobrimos um dos fatores mais impactantes na derrocada econômica da tal cerâmica, antes de se transformar em Cerâmica Porto do Roza. Quer conhecer a história? Vem conosco.


Em pesquisa um tanto sofrida (internet ruim) na biblioteca digital da Emater, soube um pouco mais sobre a qualidade dos produtos feitos com barro e outros materiais similares. Exatamente, isso está ligado à madeira servida de lenha no cozimento das peças de olaria. Perfeito, o cronista aqui consultou o neto de um dos antigos "mestres de fornada" ou "ceramistas de chão", conforme eram conhecidos esses profissionais. Segundo ele: "a questão é que a madeira da lenha utilizada determinava decisivamente a qualidade da cerâmica a ser fabricada. Logo, as toras dos chamados paus-de-mangue reinavam absolutas nas preferências dos mestres ceramistas de São Gonçalo. Mas, claro, isso antes dos fornos funcionarem à base de combustível líquido", finalizou.

No começo do século XIX, os mangues das praias da Guanabara abundavam em madeira de pau-de-mangue. Dentre as espécies: mangue branco (Laguncularia racemosa); siribeira, mangue siriba ou preto (Avicennia germinans e Avicennia schaueriana) e mangue sapateiro ou vermelho (Rhizophora mangle). Incrível como essas espécies produziam calor por maior tempo do que a madeira mais barata e comercial. Consequência disso? Exato, diminuição desse material lenhoso ao longo das décadas.


A oferta desse tipo de combustível para cozimento das telhas e tijolos decaía absurdamente. Ainda mais que a queima da lenha concorria com os pescadores que utilizavam também dos paus-de-mangue para confecção dos chamados currais de pescas. Cada curral continha entre 130 e 150 desses troncos de manguezal. Se existia reflorestamento inteligente ou produção industrial sustentável? É ruim, hein, isso nem se falava na época. Deu no que deu; escassez das já ameaçadas espécies vegetais; órgãos reguladores em suas investidas proibitivas. E assim estava encerrada a extração da flora do manguezal. Os fornos de barro tiveram que engolir os tais eucaliptos e pinhais. Até óleo diesel utilizaram também! Ruim, muito ruim a produção. Sem pau-de-mangue o material ficava fraco e de pouca longevidade na queima. Menos denso, maior oxigenação e pico enorme de temperatura em pequeno espaço de tempo. Fracasso em doses homeopáticas. Todo mês perdiam dois ou três clientes. Ainda se comprava pau-de-mangue clandestino, mas era caro.


Enfim, não deu, de fato a olaria fechou as portas após agonizar bastante. E, cá entre nós, acho até que aguentou demais.


Fonte:

Manguezais: educar para proteger / Organizado por Jorge Rogério Pereira Alves. - Rio de Janeiro: FEMAR: SEMADS, 2001.


Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.





POLÍTICA

KOTIDIANO

CULTURA

TENDÊNCIAS
& DEBATES

telegram cor.png
bottom of page