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A dor de uma família gonçalense invisível - por Mário Lima Jr.


Foto: Reprodução Internet
Foto: Reprodução Internet

Há esperança no final dessa história. O filho pequeno de uma moradora do Raul Veiga começou a passar mal. Chorava, tinha febre, indisposição e o incômodo não passava. À noite, perto das 10 horas e da angústia total, Aline resolveu levar o filho à UPA do Colubandê, a três quilômetros de distância. Partiu a pé, único meio de transporte a sua disposição.


Ela não deveria ir tão longe para buscar atendimento médico. Na volta pra casa, ruas escuras, Aline e o filho não imaginavam que o desespero verdadeiro estava prestes a começar. Em geral, as calçadas no município são mortais. Junto com o menino, ela não viu um buraco no caminho e caiu do alto da ponte na RJ-104 após a passarela do Coelho, perto do local conhecido como Buraco do Mariola (um dos pontos mais imundos da cidade, fazendo juz ao nome).


A família conheceu o inferno construído pelo descaso com o morador de São Gonçalo. Mãe solteira, autônoma, Aline quebrou a bacia. Perfurou o pulmão. Teve fraturas pelo corpo inteiro. O filho quebrou o braço na queda. Sangrando embaixo da ponte, entre o rio poluído e o trecho onde há cobrança ilegal de pedágio, os dois gritavam por socorro. Antes de cada grito, Aline removia uma placa de sangue de dentro da boca. Não conseguia forças pra cuspir. Quando tinha certeza que desmaiaria, o medo do filho sair do local, entrar na rodovia e ser atropelado a mantinha acordada. Gritaram por mais de uma hora sem ver ninguém. Mãe e filho abandonados destruídos embaixo da ponte.



Até que um morador de rua apareceu. O homem sabia que sozinho não poderia fazer nada, então invadiu a RJ-104 pedindo ajuda. Nenhum carro parou. Nenhum motorista passando em uma rodovia estadual movimentada, vendo gestos de desespero de um homem na pista, teve a compaixão de parar. O medo de ser assaltado, ou sofrer um mal maior, e a indiferença foram mais fortes. Depois de muito insistir, um mototáxi resolveu descobrir o que aquele mendigo queria. Pobre ajudando pobre, é assim que o Brasil tenta sobreviver.


Aline continua sem trabalhar porque está se recuperando dos ferimentos graves. A primeira pessoa a dar uma cesta básica pra ela foi outra mãe solteira que dividiu a própria cesta básica que ganhou. Um grupo de oração do bairro também arrecadou alimentos. E amanhã, Aline e o filho terão o que comer?


O futuro deles depende da nossa decisão ao ver um homem na rua implorando por ajuda. Todos nós buscamos o isolamento por causa da violência, mas ao mesmo tempo estamos desesperados por um pouco de esperança. Esperança que só pode ser encontrada se estivermos juntos.

Mário Lima Jr. é escritor.




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