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Coragem, temos festival de cinema, por Mário Lima Jr.


Quem não conhece o Cine Tamoio pode não acreditar. A cidade da corrupção política, da sujeira nas ruas, onde inocentes são executados confraternizando nos bares e chacinas como essas jamais são esclarecidas tem um incrível festival de cinema. Durante uma semana ele oferece, de graça, oficinas, debates e exposições e exibe filmes do Brasil inteiro e de outros países do mundo. O milagre tem dois nomes: Alberto Sena e Marcos Moura, organizadores do evento através do Coletivo Ponte Cultural.


Além de desorganizada e violenta, São Gonçalo destrói os poucos aparelhos culturais que tem. O prédio do teatro municipal, erguido ao lado da Prefeitura, está lá, fechado e abandonado. A biblioteca municipal recentemente foi transformada num contêiner escondido dentro da Secretaria de Educação, localizada no meio de uma rua morta. Por isso foi um presente para cada gonçalense o início da 4ª edição do Cine Tamoio ontem, 21 de setembro, véspera do aniversário de 129 anos da emancipação político-administrativa do município.


Um presente cinematográfico e ao mesmo tempo um grito de protesto, como a arte deve ser. O tema do Cine Tamoio esse ano é “Quantos negros cabem no cinema?”. Pergunta difícil de responder, enquanto quantos negros cabem no Instituto Médico-Legal (IML) nós sabemos muito bem: o equivalente a um Boeing por semana ocupado apenas pela juventude negra, conforme ilustrado pelo professor Roberto Borges no primeiro debate promovido pelo festival em 2019. Um jovem negro é assassinado no Brasil a cada 23 minutos. E no dia da abertura dessa edição, mais uma vítima negra ocupava o IML, Ágatha, de 8 anos, morta por um tiro nas costas disparado pela Polícia Militar, de acordo com a família da menina e moradores do Complexo do Alemão.

Até o dia 28 de setembro, o Cine Tamoio vai apresentar no SESC São Gonçalo quase cem produções voltadas para animação, ficção, terror e outras categorias. Antes da exibição do primeiro filme, o público teve uma boa surpresa. Maria Clara Machado e Bruno Rabello, poetas da Roda Cultural do Alcântara, defenderam através da poesia que a juventude está pronta para resistir e transformar a cidade em um lugar mais sensível e justo.


A transformação rumo à paz passa pelo combate ao racismo e à desigualdade na educação, provou o documentário “A Pedra”, dirigido por Davidson Davis Candanda, conteúdo de estreia dessa edição. Além do preconceito que domina as relações acadêmicas e de trabalho, as instituições brasileiras ainda carregam mecanismos criados sem participação e respeito aos negros. Basta observar a cor da pele do corpo docente das escolas ou dos parlamentares no Congresso Nacional.


Com 1 milhão de habitantes e o mesmo número de carências, em São Gonçalo praças são vendidas para grupos empresariais, o dinheiro público é desviado para instituições religiosas ou escondido na churrasqueira, jornais que denunciam crimes de vereadores sofrem ataques para não circular. Mesmo assim, coragem. Produtores culturais, artistas e movimentos que doam suas vidas ao trabalho de expor os sonhos dos brasileiros e dos gonçalenses não estão dispostos a desistir.


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