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Estação Capim Melado: em busca do tempo perdido, por Erick Bernardes


Foto 4: Galeria sobre a qual passavam os trilhos em Nova Cidade/Foto: Erick Bernardes
Foto 4: Galeria sobre a qual passavam os trilhos em Nova Cidade/Foto: Erick Bernardes

Não sei você, caro leitor, mas tenho dias de acordar muitíssimo insatisfeito. Hoje cedo aconteceu de me olhar no espelho e perceber a circunferência abdominal sobremaneira aumentada. Verdade, claro que não foi da noite para o dia, mas, dessa vez, o barrigão pareceu gritar na imagem retroflexa. Imenso, enorme, intolerável, necessário colocar a saúde no trilho, conforme diria meu saudoso avô. Por que então não voltar às caminhadas matinais, recuperar o tempo perdido, aproveitar para fotografar e coletar narrativas locais mais vivas e afetivas? Pois bem, foi exatamente o que fiz, rumo às caminhadas investigativas.


A primeira ideia me fez tomar um ônibus até a entrada do bairro Trindade, no intuito de retornar a pé, mapeando os antigos pontos ou estações de trem. Fotografar trilhos e vestígios da velha linha que ligava SG à Estação Visconde de Itaboraí cairia como luva. E assim se deu, meu profícuo começo de caminhada. Mãos à obra. Desci, entrei pela rua a qual me conduziria à localidade Ponte Seca. Por razões desconhecidas não revelo o motivo do lugar possuir subida em forma de ponte construída em cima do nada. Uma ponte sem água, coisas de SG. Um pouco adiante, o bairro Nova Cidade e a sua moderna praça, cuja entrada ainda apresenta partes dos antigos trilhos da desaparecida linha férrea, como se fossem cicatrizes do progresso mal aproveitado de outrora. Sim, vestígios da Manchester Fluminense, necessário enfocar o detalhe. Trilhos emergindo do asfalto como se quisessem retornar ao presente. Incrível, nostalgia em meio à caminhada que me obrigou a estancar o passo com vistas a fazer algumas fotos para a crônica. Entretanto, um rapaz com bandeira de eleição insistia em atrapalhar.


— Você poderia parar um minutinho de balançar esse pano de propaganda?


O moço fez que sim. Ao menos uns dois minutos ele cessou de sacudir a tal flâmula carnavalizada. Fotos dos trilhos parcialmente enterrados me interessaram.


— Obrigado, muito obrigado.


Após registrar o emergir do tempo através das fotografias de celular, necessário mudar o ponto de investigação. Alguns metros à frente, já me encontrava no Bairro Antonina, imaginando quando a antiga Estação Capim Melado configurava lugar de superimportância na cidade, no exato momento em que deparei com a base. Sim, somente a base da antiga e famosa Estação Capim Melado. Acredite, só o chão da velha construção cuja fundação talvez tenha figurado também uma pequena bilheteria — e suas ruínas se encontram ainda sobre a calçada modificada. Isso mesmo, exatamente ao lado da arruinada base da estrutura, um senhor cadeirante de olhos baços parecia me vigiar.


— Olá, senhor, não sou espião não (sorri), só um curioso de linhas de trem.


Bem, resumo da ocasião, informo a você que o tal morador idoso confirmou a minha história. Pimba! Narrativa confirmada por quem até jurou ter viajado naquele trem de antigamente. Um tom nostálgico e inconformado a lamentar o descaso e o apagamento do progresso. Indispensável fazer algumas fotos mais e aproveitar as outras informações vindas daquele senhor:


— Olha, rapaz, se você prestar atenção vai ver que o valão ali na frente foi um "enquadramento" do córrego que vinha lá de cima da Serrinha. Os trilhos passavam por cima da galeria onde desemboca o rio. Quer dizer, agora é valão, né? Vê ali e faz uma foto também.


Decerto mais um dos nossos tiros certeiros: onde passavam os trilhos, restaram apenas partes cortadas das braças de ferro da antiga linha sobre a qual carrilhavam as locomotivas. O que fizeram dos ferros da velha linha? Simples, a grande maioria serviu de sustentáculo para concretos e se transformou em limites de calçadas e até frades de meio-fio, no intuito de impedir os automóveis de estacionarem ali. Exato. Arrancaram os trilhos; as peças serviram à construção civil dos bairros Nova Cidade e Bairro Antonina. E você acha que a malandragem da urbanização aniquiladora parou por aí? É ruim, hein. A esperteza urbarnística fez questão de recapear a parcela mais aparente dos ferros das antigas linhas e lançou, já para os lados da Estrela do Norte, lindíssimas (porém enganadoras) lajotas de concreto colorido e as batizou de ciclovia. Não acredita? Vai lá conferir, em frente ao clube do Sesc, pertinho do Lavourão. Um mimo de bonitinho, mas cruel à memória do nosso município.


Enfim, uma pena mesmo, sensação de apagamento. Melhor voltar ao lar e escrever essa história, fazer alguma coisa de útil e tentar esquecer o abdome em forma de parábola. Necessário ao vagante fofo registrar o que viu. A memória agradece.


Veja vídeo:


Foto 1: Detalhe dos restos dos trilhos sobre o córrego no Bairro Antonina.

Foto 2: O córrego no Bairro Antonina sobre o qual transitavam os trens.

Foto 3: Vestígios da plataforma da extinta Estação Capim Melado, Bairro Antonina.

Fotos 4 e 5: Trilhos com trechos expostos sob o asfaltado de Nova Cidade.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários



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