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Favela do Gato, por Erick Bernardes


Foto: página do Facebook São Gonçalo Antigo e muito mais
Foto: página do Facebook São Gonçalo Antigo e muito mais

É chegada a hora de desmistificar a brevidade da crônica. Se fôssemos dar ouvidos a Nelson Rodrigues, quando afirma que a crônica de hoje embrulha o peixe de amanhã, decerto jogaríamos no mesmo lixo repleto de moscas o conhecimento fresco e sem espinhas elaborado com tanto carinho pelo cronista. Pois não falta é informação acrescentada ao entretenimento do jornal de domingo.


A região de SG nomeada de Pontal possui uma capela do século XVII muitíssimo preservada e também já foi reduto de produção dos alimentos oriundos de atividades pesqueiras. Ao passo que, no Gradim propriamente dito, existiu também certa marca de enlatados que ficou bastante famosa, por sinal. Eram as sardinhas em conserva da indústria Rubi. Nunca ouviu falar?


Creio que mencionar a história da fábrica de pescado enlatado Rubi, e de quando se iniciou o processo de favelização do seu entorno, é evidenciar informações que deveriam ser assunto obrigatório na história local. Por isso, faço um breve convite: conheça esse cadinho da nossa história fluminense e, quem sabe, tome você também gosto pela pesquisa.


De acordo com dona Selma, que reside atualmente no bairro São José, município de Itaboraí, as casas da família tiveram de ser demolidas por causa da construção da Rodovia BR 101. Segundo a própria, a favela recebeu o nome do felino devido às ligações clandestinas de energia elétrica praticadas largamente na comunidade.


— Na minha casa também havia gato de luz. Não tínhamos TV, nem geladeira ainda. Família pobre, sabe como é. Mas lâmpada não faltava no barraco. Papai odiava lamparina. Fedia a querosene. Tinha claridade pra todo canto, isso sim.


Selma informou haver pelo menos metade dos 12 irmãos trabalhado na produção de enlatados Rubi naquele tempo remoto. Verdade. Recebiam pouco, salário baixo e família crescente, mas trabalhavam, punham as máquinas para funcionar.


O pai dedicado foi mecânico industrial, destino parecido tiveram os filhos, os quais se tornaram também eles funcionários da Rubi. Importava ter ocupação profissional. Carteira expedida pelo Ministério do Trabalho, quando assinada, virava troféu na mão de gente honesta e sonhadora. No entanto, assim que o governo ordenou a remoção das habitações por causa da BR 101, muitos moradores se obrigaram a realocarem suas famílias para regiões mais afastadas. Não compensava continuarem empregados ali — e comércio informal absorveu essa massa trabalhadora.


Tristeza, apegados ao lugar, mas os obrigaram a sair da comunidade apelidada de Favela do Gato. Nelson Rodrigues que me desculpe, mas hoje, nada de final feliz, nem beijos e amores para dar cor à crônica. Porque metade da comunidade perdeu sua história debaixo do asfalto da BR 101.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.





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