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Jorgina, a sonhadora - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Foto: Reprodução Pinterest
Foto: Reprodução Pinterest

Aos pés da Pedreira Carioca, no bairro do Rocha, em São Gonçalo, morava Jorgina, uma sarará de olhos verdes riscados de negro feito olhos de gato, filha de Orestes. O cara mais gente boa que o bairro já viu. Foi criada com pouca instrução escolar, mas na casa de Orestes as meninas eram ladies e os meninos Lordes.



Jorgina era muito graciosa, perfumada e frágil como um bibelô. Romântica como toda menina de sua idade, passava as tardes ouvindo músicas do rei Roberto Carlos, sonhando com seu príncipe encantado que chegaria num carrão branco de capota aberta e bancos cor de rosa. Ele com um sorriso lindo abrindo a porta do carro para que ela entrasse, a levando para um mundo mágico onde viveriam felizes para sempre.



Numa tarde de 30 de dezembro, uma turma de rapazes do bairro resolveu fazer uma confraternização. E vários deles, músicos, foram se revezando em apresentações que ficariam na história. Adauto, primo de um dos rapazes, morava na cidade do Rio de Janeiro. E naquele dia também foi convidado a se apresentar. Fã de carteirinha do Rei Roberto Carlos, sabia todas as músicas e as interpretava com maestria. De cabelos compridos e um sorriso que hipnotizava a todos que o ouviam cantar, fez nossa pequena Jorgina levantar da cadeira como uma serpente enfeitiçada saindo do cesto.



O carro de Adauto tinha certa idade, mas era branco e conversível como os do príncipe dos sonhos de Jorgina, que não deu ouvido a ninguém e se atirou nos braços daquele a quem ela queria passar o resto de seus dias seja lá onde fosse.


Os primeiros meses de namoro foram como nos contos de fada: flores, chocolates, músicas, poemas e muitas promessas de fazê-la feliz para sempre. Só que o preço era alto para a época. Adauto queria a virgindade de Jorgina como prova de amor e a menina, criada para ter um casamento com todas as pompas e circunstâncias não cedia aos apelos do amado.



Numa tarde de sábado quando Orestes, o pai de Jorgina, foi às compras com a mulher, e os irmãos da menina estavam distraídos com o futebol, Adauto investiu pesado, encostou Jorgina na parede e disse que seria ali, naquela hora, naquele dia, pegou-a com firmeza pelos braços e tentou rasgar suas roupas na intenção de saciar seu desejo. Mal sabia ele que a meiga Jorgina passava as tardes durante a semana jogando capoeira nos terrenos da pedreira junto com os irmãos e seus colegas sem que os pais soubessem. Jorgina deu-lhe um empurrão, pulou num “macaquinho” e passou um “S dobrado” nas pernas de Adauto que caiu sentado de bunda no chão, mal conseguiu ficar de pé e já levou outra rasteira num “corta capim de angola” que nem o mais poderoso dos mestres de capoeira sabia fazer igual.



Quando Adauto viu Jorgina pegando a vassoura e quebrando ao meio para já atacar de “maculelê,” não pensou duas vezes e saiu correndo.


O bairro do Rocha inteiro viu Adauto correndo por cima do morro e Jorgina com o cabo de vassoura partido ao meio atrás dele. Mais por medo de Jorgina, do que por vergonha de ter apanhado tanto de uma menina tão “frágil”, o ex-príncipe nunca mais voltou a São Gonçalo. Afinal, aqui não é bagunça!


Jorgina casou com Telino que não tinha carro, não sabia cantar e nem cabelo tinha, mas passou a vida fazendo com que ela se sentisse uma rainha de contos de fada todos os dias.

Paulinho Freitas é compositor, sambista e escritor.






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