top of page

Mensageiro da sorte, por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Reprodução TV
Reprodução TV

Nestes tempos de pandemia eu não visito ninguém e também não recebo visitas. No máximo vou ao portão com máscara e exijo a visita que também esteja usando este utensílio. Conversar rápida, um toque de cotovelos e já foi. Entro sem olhar para trás. Não posso deixar este mundo agora, no melhor momento da vida, onde todo mundo acha que estou velho e eu morro de rir por dentro, pois, só de olhar a cara das pessoas já sei até a cor da fralda de seu batizado. Mas tem horas que a gente tem que abrir uma exceção.


Dinei dos Acordes é um cara maneiro, bom cantor, bom compositor e ainda escreve umas boas poesias e alguns artigos interessantes também. Ocorre que ele começou a ter umas crises existenciais, começou a se preocupar muito com o que as pessoas falavam dele. Todos diziam que ele trazia má sorte. Isso não! Conheço Dinei desde quando fazia violão e voz nos barzinhos de São Gonçalo.


Dinei chegou a meu portão querendo desabafar, peguei duas cadeiras, coloquei embaixo de uma amendoeira que faz sombra em toda a frente da casa e deixei-o falar:


_Paulinho, você sabe que eu sou do bem, as pessoas estão me chamando de macumba, azarento e outras coisas. O que eu posso fazer se eles não dão sorte? Em 1968, eu com nove anos resolvi que tinha que torcer por um time. Era dia de final de campeonato e duelavam Vasco e Botafogo, resolvi torcer pro Vasco. Na esquina da minha rua tinha um armazém, eu falei para dono que a partir daquele dia eu era Vascaíno. O português ficou muito feliz e até me deu umas balas. No final da partida o Vasco tomou uma piaba de 4x0. O português achou que eu era culpado. Eu? O goleiro leva quatro gols e eu que tenho culpa. Pois sim!


Não liguei muito para a copa do mundo de 1970, mas a de 1974 eu torci muito. Foi o ano que tomei meu primeiro pileque, no dia do jogo Brasil x Holanda, estava tão bêbado que comemorei os gols da Holanda como se fossem do Brasil. Aliás, o Brasil não jogou nada, merecia perder. Eu não tive culpa.


Desliguei-me um pouco do esporte e passei a curtir música, tempos de festivais, torci muito para o “Foi Deus que fez Você“ de Luiz Ramalho que na final perdeu para “Agonia” do Oswaldo Montenegro. Luiz Ramalho não deu sorte. Planeta Água” do Guilherme Arantes que na final perdeu para “Purpurina” interpretada por Lucinha Lins foi outra música que não agradou aos jurados. Eu torci muito pra ela.


Daí pra cá comecei a tocar nos bares da vida, mas esses comerciantes só querem levar vantagem. Eu começava a tocar numa semana e na outra quando chegava o bar estava fechado porque a mulher do cara foi embora, levou as crianças, o cachorro morreu, essas histórias que todo derrotado tem pra contar. Não foi só um, foram vários comerciantes que passaram por minha vida assim. Alguns queriam diversificar e pouco tempo depois que eu estava tocando lá já transformavam o local e sacolão, depois em botequim e depois fechavam de vez.


Resolvi ser sambista! Entrei pra ala de compositores da G.R.E.S Tradição. No meu primeiro desfile a escola caiu pro segundo grupo. Também com aquele enredo! Tinha que cair. Depois foi descendo de grupo, eu nem sei se ainda desfila. Na fórmula 1 eu torci muito pro Barrichello. Pensa num cara azarado! É ele. Só chegava depois. No MMA estava também torcendo pro Anderson Silva, mas no dia que vi a luta ele quebrou a canela. O cara também hein? Tem que tomar um banho de sal grosso! Em 2019 o Flamengo estava ganhando tudo, eu falei, agora vou ser campeão do mundo! No dia do Flamengo x Liverpool eu gritei até ficar rouco! Mengooooooo! Mengoooooo! Só que na prorrogação o Firmino me faz o gol da vitória do time Inglês. Esse Flamengo me mata de vergonha.


Mas meu amigo, eu vim aqui hoje também pra falar contigo e ver se você me coloca na Ala de Compositores do GRESU Porto da Pedra. Chega de Escola do Rio! Quero ficar perto de casa. Como eu faço?


Falei pra ele:


_ Meu amigo Dinei, um compositor da sua envergadura não pode se perder em São Gonçalo. Vou te dar o contato do Jerônimo, presidente da Ala de Compositores da Mangueira, você é o Cartola contemporâneo irmão! Vai por mim. Acho que ainda dá tempo de inscrever um samba para o próximo carnaval, agora você me dá licença que eu preciso entrar para terminar um serviço.


Ele ficou me olhando assim meio desconfiado, se despediu e saiu andando com aquele jeito de malandro gente boa. Na esquina minha vizinha passeava com seu belo cãozinho, Dinei passou a mão sobre a cabeça do animal e exclamou: Que pelo bonito! Quando tiver cria vou querer um filhote.


Hoje pela manhã vi minha vizinha andando sozinha pela rua, perguntei pelo cãozinho e ela me respondeu:


_ Morreu. Infarto fulminante. Coitado do meu bichinho!


Não tem Covid que pegue num homem desses. Sai pra lá encosto!

Paulinho Freitas é compositor, escritor e sambista.



POLÍTICA

KOTIDIANO

CULTURA

TENDÊNCIAS
& DEBATES

telegram cor.png
bottom of page