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Na lotérica do Rodoshopping, por Erick Bernardes


Ilustração: Pixabay
Ilustração: Pixabay

Chiclete. Sim, a jovem mastigava nervosamente o chiclete enquanto aguardava a vez na fila da casa lotérica do Rodoshopping. "Tá muito tempo na fila?" Perguntei. Ela acenou afirmativamente com a cabeça. Não havia disposição para responder de forma oral à minha pergunta. Mas a mandíbula, ah, essa não parava de massacrar a goma de mascar. Mau-humor talvez, nervosismo, quem sabe? Só balançou o crânio sinalizando um sim insípido — e eu até agradeci.



O certo é que entrei na fila e fiquei. Necessário pagar a conta que o aplicativo do celular recusou a receber. Uma lástima, mundo digital sem funcionar direito. Melhor ir à casa lotérica no centro de São Gonçalo que ter a conta atrasada. Questão maior de necessidade que algum tipo de honra, porém vale cumprir com a obrigação.


— A fila andou, moça.

— Ran ran.



O mastigar do chiclete me torturava, fazia barulho o vai e vem das arcadas sem máscara em tempo de pandemia. Preocupação nenhuma da jovem em manter os modos de educação e a segurança coletiva. Goma de mascar azul sendo surrada entre os dentes. Misericórdia.


— Psiu, a fila andou de novo.

— Tá.


O bom foi que a demora na fila da casa lotérica, somada ao mal-estar da cena na qual o pedaço de borracha mastigável rodopiava na boca da jovem, permitiu que eu tivesse tempo de marcar dois cartões de Mega-Sena. Exatamente, pagaria a tal conta de luz, dando uma catucada na sorte — e me tornaria (quem sabe?) o novo milionário da cidade. Seis números em cada cartão de jogo, fácil decidir quais dezenas, uma combinação estranha das datas de aniversário dos membros da minha família. Vai que dá certo!



O fato é que paguei a conta e testei a fé na Mega-Sena. No entanto, ao chegar no meu lar doce lar, senti a sola do tênis aderir ao piso da varanda de casa. Um visco azulado colando e fazendo choc-choc embaixo do pé. Adivinha o motivo. Isso mesmo, um chiclete grudando e manchando o chão da minha residência. Que ódio. Moça desgramada.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.



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