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O sub-bairro Cerâmica e o fiel escudeiro alemão, por Erick Bernardes


Foto: Paulo Paiva
Foto: Paulo Paiva

O administrador alemão Franz Nimrichter marejava os olhos diante da decadência da olaria nomeada Cerâmica Porto do Roza que tanta alegria lhe forneceu no passado. Uma pena, o quadro ali à sua frente revelava falência iminente. Coitado, já octogenário e de gênese germânica, revelava a mais profunda melancolia. Fontes próximas afirmam que Franz não hesitava em reconhecer que se enamorou por São Gonçalo. Pois é, vislumbrando o encerramento das atividades, ele chorou. Sim, soluçou baixinho, mas chorou de saudade antecipada.


Se alguém passar hoje em frente às duas únicas chaminés do sub-bairro Cerâmica, no Porto do Roza, e perguntar o porquê do nome ser conhecido assim levará um cascudo. Claro, coisa mais óbvia, não é? Estão lá, duas chaminés, ilustração da antiga "Manchester" fluminense, ostentando suas imagens simbólicas tais quais as da bandeira oficial gonçalense — e a construção abandonada ainda carrega fragmentos dos tempos áureos do município.

O estudante inexperiente de São Gonçalo jamais imaginaria a riqueza de detalhes decorrentes do relato fornecido pelo enteado do personagem administrador da Cerâmica. Justamente, Paulo Paiva é a nossa fonte, ele conviveu durante anos com Franz Nimrichter. Segundo o relato:


— Tive o privilégio de ser enteado dele. Homem de caráter; um forte. Lembro que, mesmo depois de a cerâmica ter encerrado as atividades, lá pelos meados da década de sessenta, ele cuidou com carinho do entorno da fábrica. Saudades do coroa, aprendi muito naquele tempo.


Pois é, caro leitor. Sabe-se que no Porto do Roza havia inúmeros fornos com objetivo de atender à demanda de exportação. Sim, fábrica de telhas e tijolos maciços de qualidade indiscutível. Qualquer munícipe mais antenado ao histórico fluminense conhece o passado industrial de São Gonçalo. Existe ainda nas redondezas certa nascente aquífera a brotar dia e noite no fundo da cisterna abandonada. Justamente. Um tipo de mina funcionando. É como se fossem as lágrimas do velho administrador de ascendência germânica antes de dar adeus ao mundo.

Bem, necessário confessar o meu esforço para não romantizar. Mas como resistir ao bonito porém triste enredo? Não sei, reconheço ser o discurso do "outro" quem me conduz. Só não posso esquecer de agradecer ao Paulo Paiva por essa narrativa e também por nos ter concedido as belas fotos que você vê abaixo. Sim, o amigo Paulo, testemunha ocular, auricular e táctil, pois conviveu entre 8 a 9 anos com o nosso personagem central. Uma história de afeto, fornecida por quem foi verdadeiramente o enteado de Franz Nimricheter, escudeiro alemão fiel da cerâmica no Porto do Roza.


E assim, exatamente assim, eu me deixou levar pela linguagem literária que se enamorou pela história. Parcela desse importante ciclo industrial da cidade. Antes que a memória se apague. Até!


Assista ao vídeo em que há depoimento do próprio Paulo Paiva, enteado do saudoso ex-gerente da Cerâmica Porto do Roza. O depoimento foi gravado exclusivamente para os nossos leitores.



Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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