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O velho estranho do Jardim São Vicente - por Erick Bernardes


Foto: Pixabay
Foto: Pixabay

Isso aconteceu no Jardim São Vicente, num domingo em que eu praticava minhas corridas matinais. Chegou até mim um senhor meio maltrapilho, cheiro forte de tabaco, olhar opaco, mancava um pouco. Perguntou-me com voz rouquenha e sussurrante: "você sabe onde é aqui?"


Claro que sabia, respondi, praticava vez ou outra minha corrida pelas redondezas. Tratava-se de São Vicente, sub-bairro (ou bairro) do município de São Gonçalo. Coladinho ao Engenho Pequeno e ao bairro Água Mineral. Como não conhecer? Pergunta idiota.


Recordo que o velho se aproximou, pôs a mão no meu ombro e segredou: "eu não sou daqui". Confesso não ter dado a mínima à frase do coroa. O que eu tinha com isso? Pensei. Corri demais naquele dia, no intuito de perder algumas gordurinhas, exercício físico, só me interessava uma bebida gelada. Nada de conversa fiada com velho catarrento. Necessário parar no bar junto ao Campo do Repolho, bem próximo do ponto final do ônibus 48 da viação Galo Branco. Pedi um guaraná Flexa no balcão. Absurdo, eu e minhas manias, devia ter bebido água, mais saudável.



Mesmo do lado de fora dava pra ver o interior da birosca. Enxerguei algo incomum na prateleira mofada. Justamente, bem na prateleira, logo de frente a quem chegasse ao bar. Impressionaram-me as garrafas de cachaça com certos bichos nojentos dentro, animais asquerosos boiavam nas bebidas, propositalmente. Sim, exato, havia aguardante com cobra em conserva. Noutra garrafa uma lacraia gigante em seu interior. Na verdade a prateleira inteira revelava esses troços sombrios. Estranho, esquisitíssimo. Quem beberia aquilo? Sinistro.


Ao meu lado dois senhores de meia idade tomavam conhaque de má qualidade e conversavam alto. Contavam causos, eu escutei, ouvi com cautela. Comentavam sobre a assombração que apareceu de novo pelas redondezas durante a madrugada e amarrou as patas dos cachorros, colocou os pobres cães de cabeça para baixo, pendurados nas árvores. Que maldade.



De acordo com os moradores do Jardim São Vicente, o tal fantasma era um velho que fumava cachimbo e gostava mesmo era de provocar as pessoas, maltratar animais, deixar a vizinhança com medo e sumir de repente. Isso aí, evaporava a referida alma penada. Fiquei pra lá de arrepiado. Lembrei da fala do velho rouquenho. Pois é, de fato aquela alma não era dali. De modo nenhum pertencia àquele lugar.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.






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