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Sob o fio da navalha: o olhar econômico de um cidadão gonçalense - por Erick Bernardes


Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Barbeiros trabalham mais cortando cabelos do que retirando ou aparando barbas e cavanhaques. Isso é fato. No entanto, há certas incongruências surgidas nas barbearias muito mais dignas de importância do que discutir se os pelos do rosto merecem mais atenção do que os fios da cabeça. Verdade, refiro-me especificamente a um caso ocorrido na Barbearia do Luiz, bem ali no Rocha, pertinho do centro de SG.


Enquanto o profissional estalava a tesoura no intuito de dar forma ao meu penteado, um dos senhores que aguardavam a vez decidiu puxar conversa coletiva. Sempre os passatempos preferidos. Naturalmente. Falou-se de futebol, discutiu-se política e previsão do tempo. Mas o assunto da hora revelou ser o preço do pão. "Que absurdo, pãozinho francês custando agora cinquenta centavos", complementou uma senhora obesa, enquanto a neta também obesa folheava uma revista amarrotada com data de dois mil e um.


Pois é, desse jeito, no meio da conversa, o tal senhor eloquente se manifestou:



_ O melhor pão de SG é o de Nova Cidade, uma padaria que vende pãozinho por oitenta centavos. É caro, sim, outro nível de preço, porém vale a pena, até a farinha é do tipo especial. Quem deseja coisa boa tem que pagar alto. Se não quer produto diferenciado, não compra, ué.


Decerto eu parecia dormitar na cadeira da barbearia, porém só parecia. A máquina de frisar cabelos abria caminho pelas laterais do meu couro cabeludo. E o barbeiro Luiz indagou o senhor falador.


_ Sua mãe, Tião, como está?


O homem confessou estar cansado. A mãe beirava seus noventa anos.


_ Tá bem não, muito ruinzinha. Você sabe, sou eu quem cuida, né? Até banho de leito dou, tadinha, nem anda mais.


_ E por que você não contrata alguém pra cuidar dela?


A pergunta lançada assim se mostrou mais um daqueles comentários corriqueiros. Entretanto, o resultado revelou certa inadequação na resposta. Exatamente. A frase interrogativa provocou o descompasso dentro do próprio discurso que o tal cuidador da idosa iria proferir. Sim, isso mesmo, o Tião, o filho atencioso da senhora acamada.


_ Ah, infelizmente não dá. Tentei contratar uma mulher sem treinamento algum, nem jeito pra lidar com idosa ela tinha. Não fez curso. Cobrou barato. Contudo, não dá. E se mamãe tiver um piripaque? Jamais a cuidadora conseguirá socorrer sem treinamento. Definitivamente arriscado.


_ Paga uma técnica de enfermagem, Tião, é mais segurança


_ É ruim, hein, impossível. Sabe quanto de salário a profissional cobrou? Cerca de dois salários-mínimos pra ficar todos os dias. Um absurdo, impossível aceitar. Só porque é formada e tem outros cursos na área da saúde. Oportunista, isso sim.


E foi desse jeito que saí da barbearia de cabelo em pé.

 

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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.



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