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São Gonçalo e seus ícones literários: Berlarmino Ricardo Siqueira

São Gonçalo e seus ícones literários

3

(Séc. XIX)

BELARMINO RICARDO SIQUEIRA

(BARÃO DE SÃO GONÇALO)


Por Erick Bernardes


Embora tenha nascido em Saquarema, Belarmino Ricardo Siqueira, o Barão de São Gonçalo, foi considerado um dos homens importantes do período imperial brasileiro. Inúmeros são os pontos de contato entre vida e obra de Belarmino Ricardo de Siqueira e Dom Pedro II.


Sabe-se que Belarmino Ricardo Siqueira nasceu na Freguesia de Nossa Senhora de Nazaré, em 8 de fevereiro de 1791, na localidade de Saquarema, região litorânea do que se constitui o Estado do Rio de Janeiro hoje (há quem diga ter morrido em 1873). Menino obediente e observador de tudo que dizia respeito aos relacionamentos comerciais. Filho do Coronel do Regimento N1 da Cavalaria da 2ª Linha da Corte, o patriarca Carlos José de Siqueira Quintanilha, e de Maria Antônia do Amaral, sua família era muitíssimo católica, e o cumprimento aos rituais clericais foi uma constância durante o tempo de criança e juventude. Descendia da família pioneira na povoação do Rio de Janeiro desde o século XVI e teve vários irmãos, mas há quem afirme ter sido o menino Ricardo (futuro Barão de São Gonçalo) o preferido do casal Quintanilha.


De acordo com Thalita Casadei, o Barão de São Gonçalo: “foi amigo pessoal do Imperador D. Pedro II e hospedou o monarca várias vezes em suas fazendas. Recebeu o título de Barão e, depois, o de Barão com Grandeza, sendo ainda agraciado com a condecoração da Imperial Ordem da Rosa” (CASADEI, 1971, p. 52). Mas, o que pouca gente sabe é o imponente Belarmino Siqueira (o Barão) foi poeta dos bons. Uma leitura simples da poesia do Barão pode rapidamente nos apontar a estrutura de versificação bem elaborada, um texto escrito em septassílabo (sílabas poéticas) muito próximo das experiências formais e de memória melancólica de Santa Rita Durão, Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, usando o viés romântico como recurso fundamental. Vejamos:


“Depoz os lábios tão puros

Sobre os da larga ferida;

Parecia alento e vida

Dar ao ferido cantor.

Rasga seu branco vestido,

Para atar o seu amor.


Depois o deixa, de novo

Volta com água, e afflicta

O morto apalpa e agita,

Pondo-lhe d’agua o fresco:

Mas não disperta o amante,

Quanto sofre o seu amor!”


(Trecho do poema do Barão de SG)


A partir daí, através da poesia, podemos perscrutar um biografismo romântico do Barão, e, além disso, uma técnica de escrita de alguém que já dominava exemplarmente a métrica no quesito estético. Ou seja, havia uma prática de composição textual desde muito exercida. Ora, para se chegar a esse nível de escrita, ou Belarmino teria comprado os poemas e os assinou, ou praticou a técnica da versificação como ninguém. Mas são pouquíssimos os versos que nos chegaram ao tempo presente. Fica, portanto, um mistério: haveria o barão escrito tantas outras lindas poesias e usado de pseudônimo, já que sua vida de escravocrata não condizia com seu estilo libertário de produção póetica? Uma reclusão dentro de si mesmo por meio da arte, talvez, já que não se tem notícia de ter havido algum relacionamento amoroso substancial na vida do Barão. Fica aí a dica para quem se interessar, o link do livro no qual se encontra o poema romântico de Belarmino Ricardo Siqueira está no final desta matéria.


Por que não analisarmos, de maneira comparativa, as dores “fingidas” de um “eu” artístico do Belarmino comparando com seus relatos biográficos e (quem sabe) orais? Por meio do poema escrito pelo Barão o sujeito ficcionaliza a experiência da tristeza e da insatisfação de maneira indireta da sua própria história. Esse relato é controlado por uma voz poética que revela um enunciador autodenominado falho, incapaz de explicar seu “estar-no-mundo”. O escritor Belarmino Siqueira performatizaria a fala romântica, por meio de uma narrativa que ocupa os dois lugares de representação apontados por nós: a) o sujeito aristocrata e b) o sujeito moderno, em evidente conflito histórico. Em outras palavras, é uma forma de entrada na configuração do imaginário histórico local da região fluminense também aqui por meio da poesia.


Enfim, vida dupla ou crise existencial expressas por um eu-lírico construído pelo Barão de São Gonçalo? Um homem vaidoso e à frente do seu tempo ou mais um escravo das convenções impostas pela sociedade. Não sabemos, só nos resta pesquisar e refletir, até mais.


Fontes:

BRAGA, Maria Nelma Carvalho. O município de São Gonçalo e sua história. Niterói: Edição Independente, 2006.

CASADEI, Thalita de Oliveira. Páginas da história fluminense. Rio de Janeiro: edição da autora, 1971.

OLIVEIRA, Raiane. O mundo dos fundos: O Barão de São Gonçalo e seus escravos. Dissertação de Mestrado. Rio de janeiro: UNIRIO, 2014.

ZALUAR, Augusto Emílio et al. Lira do trovador: Coleção de modinhas, lundus, recitativos e canções. [S.I]: [s.n.]. https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=222139


Livro no qual o poema do Barão se encontra
Livro no qual o poema do Barão se encontra


 Urna onde foram alojadas as vísceras do Barão (no cemitério o Pacheco).
Urna onde foram alojadas as vísceras do Barão (no cemitério o Pacheco).

 Urna onde foram alojadas as vísceras do Barão (no cemitério o Pacheco).
Urna onde foram alojadas as vísceras do Barão (no cemitério o Pacheco).

Túmulo e mausoléu do Barão, no Cemitério do bairro Caju.
Túmulo e mausoléu do Barão, no Cemitério do bairro Caju.

Túmulo e mausoléu do Barão, no Cemitério do bairro Caju.
Túmulo e mausoléu do Barão, no Cemitério do bairro Caju.

espingarda que pertenceu ao próprio Barão.
espingarda que pertenceu ao próprio Barão.

Obs. As fotos foram cedidas gentilmente pelo Historiador Homero Guião. Saiba que o corpo do Barão foi embalsamado e enterrado na cidade do RJ e as vísceras foram enterradas em SG.


Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.






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