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Páginas de calibre 38

Por Cristiana Souza


Foto: Pixabay
Foto: Pixabay

Estela ouviu, apreensiva, o elevador parando no quinto andar do seu prédio, para em seguida a porta da sala se abrir. Já passava das 2 horas da madrugada, quando a embriaguez com um perfume adocicado passaram sorrateiramente em direção ao banheiro. A água quente do chuveiro embaçou o ambiente, mas ainda foi possível ver a mancha de batom bordô e o glíter nas roupas deixadas no chão.

 

A luz do quarto permaneceu apagada e os lençóis limpos e esticados aguardavam ser amassados numa noite de prazer. Mas o amor estava enviesado, e embaixo do travesseiro tinha um revólver de calibre 38.

 

Onde estaria o perigo? Dentro ou fora daquele apartamento?

 

O medo de um disparo acidental não a deixa dormir. Sai da cama na ponta dos pés e vai para a sala, onde pega um livro que está com o marcador na página 33 há algumas semanas, mas a visão turva impede a leitura.

 

Estela então vai para a cozinha…


Pensa em tomar o vinho, que não foi  degustado na noite passada, enquanto esperava a porta se abrir, entretanto prefere café, para não perder a lucidez. O estímulo da cafeína deixa a visão mais clara e novamente pega o livro, que conta a história de um jovem estudante, pobre e atormentado, que ao cometer um crime, busca justificá-lo por uma teoria baseada em personagens notáveis da História, que foram absolvidos por seus assassinatos. A história instigante e filosófica, traz um esquecimento momentâneo da sua.

 

Quando entraria no terceiro capítulo do livro, a luz da primeira hora do dia invade as frestas da cortina e Estela levanta do sofá, sente seu corpo cansado, põe o livro na estante, bebe mais uma xícara de café e segue para um banho frio, antes que a sua força se esvaia ralo abaixo, junto àquela maquiagem de um um rosto abstrato.

 

Planejou terminar os capítulos da história sobre o crime e castigo do estudante russo nos próximos dias, mas não antes de pôr fim em suas páginas tingidas pelo medo, desespero e desamor.

 

Estela chegou à compreensão de sua própria grandeza e o quão necessário era deixar de ser a coadjuvante da própria história.

 

Antes de deixar aqueles metros quadrados que um dia chamou de lar, deu um beijo com o seu batom vermelho, na bela imagem refletida no espelho e disse adeus.


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Cristiana Souza é Jornalista, Apresentadora no Programa Daki, Assistente Social e graduanda em História pela FFP-UERJ.

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