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O fim de Uma Noite na Taverna



O evento “Uma Noite na Taverna” já acabou duas vezes. Uma, por problemas contratuais com o SESC – casa do evento, que nos abrigou durante boa parte dessa jornada – e outra por falta de lugar para a sua realização, até que conseguimos migrar para o Tamoio. Nas duas ocasiões, havia a vontade de continuar realizando o evento – mas não condições para tal – por isso “acabou”. Houve protestos e pedidos, mobilização (virtual e real) do público e dos amigos, o que nos deu força para continuar e abriu outras portas. Agora, final de 2016, após 13 anos de luta, a Taverna desce o pano novamente, só que dessa vez é diferente: a gente é que não quer mais.

A história é velha, e conhecida por quase todo mundo que de alguma forma se envolve com arte e cultura em São Gonçalo: dois poetas se encontraram e decidiram criar um evento onde a poesia fosse a atração principal (não apenas por altruísmo, mas pela necessidade também de se ter um palco onde pudessem mostrar seu trabalho, coisa que não existia na cidade). Contra todos os augúrios e agouros, idealizaram e criaram o evento “Uma Noite na Taverna”, com nome inspirado na obra de Álvares de Azevedo, influência comum para os amigos. De lá para cá, muito verso, acorde e movimento passou sob os holofotes e à luz das velas nas garrafas. A poesia voltou a brilhar – ela, que estava escondida e restrita à mesa de bar – em todos os acontecimentos culturais, e os poetas saíram à luz. Eventos semelhantes floresceram, e mesmo sob um cenário político que despreza a cultura, a arte se fez ouvir.

Antagonismos foram criados, lógico. Quem levanta a cabeça para fora e acima da manada vira alvo fácil, toma pedrada a rodo (e não só no Rodo). Gente que nunca foi ao evento – ou que foi e não viu ali suas expectativas correspondidas, egos feridos e a pelassaquice de sempre. Mas não creio que haja alguém nesta cidade (meu cemitério de sonhos predileto) que possa negar a importância de se ter um evento longevo e sem rabo preso onde a única promoção é a da arte.

Independente de questões pessoais, acredito que o “Uma Noite na Taverna” cumpriu seu papel. Não me canso de dizer que eu queria que existisse algo semelhante quando eu tinha 14, 15 anos e escrevia poesia. Eu queria ter visto uns caras velhos (como sou hoje) falando poesia para reforçar o que eu já trazia dentro de minha personalidade difusa: poesia é troço SÉRIO, e não brincadeira de criança. Eu queria ter visto um escritor, materializado em carne e livro, para que quando eu falasse “vou ser escritor” não parecesse um sonho tão distante. Isso é importante como qualquer outra ação afirmativa, e nesses 13 anos eu vi (e ajudei a fazer) acontecer. Muita gente boa vem me dizer que teve coragem de mostrar o que escrevia depois que foi à Taverna, ou ainda: comecei a escrever por causa da Taverna. Isso não é pouco, e não pode ser desconsiderado. Se tem uma coisa da qual me orgulharei pra sempre nesse mundo vil é de ter inspirado outras pessoas como eu.

Se fosse só isso, já teria valido a viagem. Mas a gente fez um pouquinho mais. A Taverna colocou São Gonçalo no cenário cultural fluminense, com alguns ecos nacionais. A peregrinação constante e a participação em eventos literários como a FLUPP, o SarALL e o Circuito Carioca mostraram que São Gonçalo não é só buraco, desgraça e política de interior. São Gonçalo produz e se orgulha disso. Não estou aqui analisando mérito de valor cultural ou estético – gosto pessoal CONTA, e conta muito – mas ativismo e realização. Quem faz cultura no Estado hoje reconhece São Gonçalo como um ator importante no cenário, e é legal dizer “eu sou o Rodrigo Santos, do Uma Noite na Taverna” e ver no rosto do interlocutor (muitas vezes interlocutores “importantes” no meio) um lampejo, geralmente seguida da frase “ah, Uma Noite na Taverna? Já ouvi falar… Parabéns pelo trabalho que vocês fazem em São Gonçalo”.

“Mas então por que parar?”, vocês podem estar se perguntando. Porque a gente cansou. Realizar um evento mensal durante 13 anos é duro e nem sempre gratificante. A hora em que a gente pega o microfone e diz “Muito boa noite, sejam bem vindos ao Uma Noite na Taverna” e as três horas que se seguem são sublimes, mas entre essas frases há sempre um mês inteiro. Um mês de vida real, trampando no Planeta Diário, construindo família e carreira. Um mês implorando apoio, público (e até convidados, vejam só). Um mês inteiro. Multiplicado por doze. Vezes treze. Amigos vieram e se foram, apoios também, o público de hoje é 80% diferente do público de 2004, mas a gente prosseguiu, perseguiu e persistiu. Mudou de casa, de bairro, de palco, mas não de atitude. Só que tem uma hora que não dá mais, e essa hora chegou. Como falei ali em cima, tenho fé de que a Taverna cumpriu um papel importante para a cidade – e para nós mesmos, enquanto escritores, e acredito que a cidade agora possa prosseguir sem isso.

Eu e Romulo Narducci não pararemos, claro. Ser artista não é algo que se abdica de uma hora para a outra, não existe um interruptor para desligar a necessidade da expressão poética. Alguns dias depois da última Taverna estarei lançando meu novo romance, e já dei início ao próximo – tendo um livro de contos e um de poesia já prontos. Romulo Narducci está de vento em popa a escrever seu primeiro romance, e com a fornalha poética queimando forte. Continuem acompanhando nosso trabalho, as páginas pessoais estão aí pra isso. É possível ainda em 2017 pensemos em outra coisa, outro formato, outra mídia. Mas o “Uma Noite na Taverna” encerra seu ciclo aqui. A princípio apenas um hiato longo, um descanso sabático que nos oxigene e nos faça refletir. Sempre haverá a possibilidade do retorno, claro, todavia não será para breve, e nem será como foi. Deixa que o tempo se encarrega disso.

Encerro aqui então com o meu convite pessoal a todos vocês, que no dia 10 de dezembro (em uma linda homenagem ao mestre Leonard Cohen, que há pouco nos deixou e tornou o mundo um pouquinho pior com a sua ausência) a gente possa brindar pela última vez em um longo tempo – não com tristeza, mas com a sensação de dever cumprido – e compartilhar juntos do episódio final de “Uma Noite na Taverna”. Gratidão eterna por ter sido capaz de cumprir a missão que me escolheu.

No mais… Evoé!


Rodrigo Santos é poeta, escritor e professor de Literatura e Língua Portuguesa.

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