Como nasce o ódio incontido que alimenta a direita e a barbárie

Por Helcio Albano

Um homem, dos seus 50 anos - quase todos vividos num mesmo bairro pacato de São Gonçalo - renova a sua rotina diária às 6 da manhã. Ele, muito conhecido no local, também é muito admirado por todos. Sua boa fama extrapola a vizinhança mais próxima.

Ao abrir o portão e sair com o carro, avista, na esquina, dois jovens. Muitíssimos jovens, até. E bem franzinos. Um deles se aproxima. E logo se vê armado, dado o volume em sua cintura fina. O homem não se desespera na iminência do abordo:

— Aí paizão, bom dia. Pra sua segurança e da família, isso aqui agora é tudo nosso. A boca tá aberta. Com toda paz e respeito - disse o garoto, já dono do pedaço.

Aliviado e desnorteado ao mesmo tempo, ele ganha as ruas do bairro e percebe algo diferente. Uma movimentação de carros e motos num mesmo perímetro com a função evidente de controle e vigilância. Nas franjas, patamos instaladas estrategicamente davam a entender estarem ali como "contenção" combinada, não pra reprimir a bandidagem. Pensara: "Putz! Chegou!"

Caíste-lhe a ficha de que sua vida ficaria sob nova direção. Como boa parte da cidade que já perdera sua municipalidade.

Dias depois, tudo está mudado. O silêncio do sossego torna-se medo silente.

— Aí pai, tenho isso aqui pra você — mostra-lhe um pedaço de papel com uns números rabiscados. — Sei que tu é considerado. O paizão mandou te oferecer isso aqui pra tu deixar sua casa pra boca. Pensa nisso. Mas pensa rápido! Tu tem sorte - frisou.

Diante da "oferta", resolvera sair com o que pôde levar, carregando consigo suas memórias e agora uma coisa que não conhecia: ódio.

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Helcio Albano é jornalista e editor-chefe do Jornal Daki.