Nada mudou
- Jornal Daki
- há 3 minutos
- 2 min de leitura
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas

Quando pequeno, lá no bairro Paraíso, havia um casal de mendigos, Marina e Pernambuco, que perambulavam pelas ruas pedindo dinheiro e comida, fumando e bebendo. Minha avó sempre dava alguma coisa, mas a maioria das pessoas passava sem notar a presença deles. Hoje, a população aumentou. No centro de São Gonçalo, vários pedintes caminham pelas ruas. Um casal que a população chama de MENDIGATOS, lindos realmente, andam por aí, catando recicláveis, fumando e bebendo. São notados, pela juventude e beleza e esquecidos na mesma hora, ao olharmos a próxima vitrine, São Marina e Pernambuco contemporâneos.
Houve um tempo em que morei no Parque Arará, uma favela que havia no bairro Caju, no Rio de Janeiro. Lá, Maria Amélia, todos os dias, levava uma surra do marido. Pela manhã, com o rosto inchado de chorar e cheia de hematomas, quando perguntada o que eram os ferimentos, ela respondia:
_É panarício ué!
Todo mundo ouvia ela gritar enquanto apanhava, mas ninguém ousava entrar para defender ou apaziguar.
Num bar, na Rua 24 de Maio, no Méier, Rio de Janeiro, enquanto participava de uma roda de samba da Ala de Compositores da Mangueira, notei um casal discutindo do outro lado da rua, todo mundo, inclusive eu, viu o rapaz agredindo a moça, mas ninguém ousou defendê-la ou apaziguar a situação. Maria Amélia vive!
Há mais ou menos trinta e dois anos trás, crianças em situação de rua dormiam nos arredores da igreja da Candelária. Foram brutal e covardemente assassinadas.
Até hoje, o poder público não teve competência para desfazer aquela imagem da mente da população e das crianças que nasceram depois e continuam no mesmo lugar, à mercê da ignorância, da pobreza e da invisibilidade do dia. Prontos para servirem de jantar para as criaturas que andam pelas sombras da noite, querendo eliminar da sociedade, os frutos que ela mesma criou há quase cento e trinta anos atrás.
Há algumas semanas, 121 pessoas morreram num complexo de favelas com o pretexto de prender chefes de facção e acabar com o tráfico de drogas no local.
Os políticos dão entrevistas e visitam o local com os holofotes e câmeras da imprensa dando grande repercussão ao caso. Os caixões saíram, a polícia saiu, as famílias choram, as manchetes de jornal vão procurando outros furos de reportagem, o poder público não ocupa o lugar que deixaram “limpo”, os traficantes voltam, as barricadas voltam, as crianças crescem e daqui a pouco serão as próximas fotos sensacionalistas da imprensa, o palanque dos políticos e as lágrimas da população.
Nada mudou.
Obs: Panarício é uma infecção da pele ao redor da unha.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor


















































