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A revolta de Porto das Caixas e a reivindicação dos escravizados, por Erick Bernardes


Já não é de hoje que o morador de Itaboraí sabe da preciosidade histórico-religiosa existente em seu município. Isso mesmo, o lugar é a Igreja Imaculada Conceição e o seu Santuário do Cristo Crucificado, em Porto das Caixas, território de peregrinação e muita história pra contar. Mas há outros acontecimentos interessantíssimos, e é sobre eles que falamos agora.


Houve um tempo de quando a Fazenda da Cruz (1860) constituía propriedade das mais importantes das redondezas e causou repercussão enorme, tanto em jornais quanto em rodas de conversas, mas também entre figurões importantes pelo Brasil afora. Você tem dúvida? Carece, portanto, de explicação? Então vamos lá, o quadro é o seguinte:


Pense em uma propriedade rural repleta de mão de obra escravizada e tendo por administrador um homem violento em seu trabalho, a se valer de certos requintes de crueldade. Imaginou? Pois é, isso começou assim, quando João Gonçalves Lopes açoitou demasiadamente o escravizado Roberto. As chagas do coitado infeccionaram e foi morte na certa. Exato, noticiaram o óbito por lá. Infelicidade do trabalhador! Mas não só ele, outros casos tomaram as páginas dos jornais. Manchetes ofereciam os números dos maltratados. Mais uma morte entrou na conta, desta vez de uma mulher. Resultado? O jornal local "O Popular" não perdoou, meteu brasa na polêmica e anunciou: "Morte por sevícias monstruosas". O problema é que permitiam bater, mas nem tanto. Surras moderadas, o politicamente correto pra época — e o excesso gerou confusões. Insinuaram em Itaboraí mais maldades por parte do tal administrador demoníaco da fazenda. De acordo com a publicação jornalística, houve uma coincidência enorme com o falecimento do proprietário fazendeiro, o senhor Antonio Joaquim Lopes. Sim, o dono morreu estranhamente, ele era tio do administrador cruel. Surgia assim uma pitadinha de veneno a inocular a ideia de que ao administrador recairia a culpa pelo tal falecimento. Mistério, isso mesmo, decerto misterioso demais, o caso ia muito além do corriqueiro. Contudo, pior assistir ao açoitador fugir feito gato ladrão após o sub-delegado decretar a prisão dele. Claro, Lopes assassinou com surras, indiscutível. Confirmado, corpo de delito: dois escravizados mortos por gangrena. Mas quem o leitor supõe ter encontrado na mata o tal assassino? Perfeito, acertou. Os escravizados foram aqueles que se embrenharam na macega e capturaram o canalha. Mas a fama do sucesso... ah, a fama... claro, o subdelegado saiu como herói. Prometeu até alforria a quem lhe ajudasse na prisão do Lopes. Entretanto, de modo algum a alforria se efetivou, óbvio, não lhe cabia esse tipo de autoridade.


Bem, querido leitor, eu adoraria encerrar por aqui a história e anunciar a justiça cumprida. Porém, não é bem assim. Simpatizantes do administrador Lopes, inclusive senhores de engenho temerosos da revolta agigantar, manifestaram indignação contra a polícia. Espertamente, os malandros endinheirados protestaram também. Constrangimentos dos poderosos impulsionaram a defensiva fidalga. E, dessa forma, o sub-delegado fora punido por instâncias maiores de governo, perdeu o cargo. Exoneração.


Enfim, foi dessa forma que os trabalhadores de Porto das Caixas conheceram as próprias forças. Quando outras perspectivas se revelaram, na antiga Fazenda da Cruz.


***

Nota do autor: Esta crônica é uma homenagem aos pesquisadores Dawson Nascimento da Silva, Deivid Antunes da Silva, Mont Clair Schimidth, Gilciano M. Costa e Rodrigo Rangel, pelo incansável trabalho na pesquisa histórica de Itaboraí.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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