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Aposentar o lumpesinato e aprimorar a democracia



Há exatos vinte e cinco anos, especificamente em 1990, Fernando Collor de Melo toma posse como o primeiro presidente eleito após outros vinte e cinco anos de ditadura civil-militar. Digo civil-militar, porque o governo de José Sarney na verdade fora uma continuidade - apesar da promulgação da atual constituição em 1988 - na seqüência de generais que se revezaram no poder de estado a partir da quartelada de abril em 1964.

Com um discurso moralizador e de porte imponente que encantou muitos conservadores declarados e enrustidos, Collor de Melo seria derrubado dois anos depois pelo Congresso Nacional, graças a fulminantes denuncias de corrupção amplamente divulgada pela mídia - a mesma que o ajudou a se eleger - e que estimularam antigos aliados do presidente e os nascentes movimentos sociais a se mobilizarem para a sua derrocada.

A mobilização popular dos “caras pintadas” contribuiu muito para selar o “impeachment” do malfadado presidente e deu a impressão aos contemporâneos que a democracia brasileira tão almejada pelos diversos segmentos da “ressurgida” sociedade civil estava consolidada, pois afinal de contas, o “povo” havia ido às ruas e derrubado um presidente sem o auxílio de delirantes generais ou economicamente insaciáveis transnacionais. Ledo engano.

Embora as mobilizações de rua tenham formado novas lideranças como o então presidente da UNE e futuro senador Linderberg Farias, na verdade os movimentos sociais permaneciam cooptados tanto por setores da direita quanto da esquerda, ou seja, a formação de uma sociedade civil combativa, atuante e propositiva estava longe de ser uma realidade, pois foram décadas de exclusão social, política e educacional que marginalizou uma parcela significativa da população, sobretudo pretos e pardos.

Na última década do século XX o neoliberalismo se consolidava durante o governo de FHC e os marxistas não conseguiam transcender além do “gueto”, pois teimavam em repetir surrados discursos denuncistas enquanto disputavam entre si a vampirização de sindicatos e entidades estudantis. Enquanto isso, os conservadores iam se apoderando das entidades comunitárias através de lideranças fantoches, que barravam avanços políticos e ajudavam a perpetuar os currais eleitorais nas cidades.

Para que os leitores não me taxem de iconoclasta vou tentar explicar - de forma suscinta - como nesses ¼ de século a fronteira entre “esquerda” e “direita” vem a cada ano sendo diluída e sentimos hoje um “vazio” de representatividade que induz muitos segmentos progressistas ao desencanto e encorajam segmentos conservadores a por em xeque o estado democrático de direitos, realidade que abre possibilidades nebulosas para o futuro do país.

Enquanto os primeiros jamais se refizeram do fim do dito “socialismo real” nos anos 1990 e permanecem incapazes de construir um projeto de nação, os segundos se reinventaram através de uma juventude que abraçou o fundamentalismo religioso ou passaram a cerrar fileiras as “tribos” urbanas de tendências fascistas, que destilam sem nenhum constrangimento, o seu ódio étnico e social em uma sociedade que se reconhece, mas que tem muita dificuldade em se assumir enquanto multicultural.

Com o aparecimento dos “Black Bloks” durante os protestos de 2013 e o surgimento de novas lideranças como Elisa Quadros (também conhecida como “Sininho”) criou-se expectativas que os movimentos sociais urbanos haviam ingressado em um novo patamar, porém, as manifestações desde então permanecem denuncistas e reivindicativas para segmentos mais “moderados” ou violentos e destrutivos para outros ditos “radicais”, e nesse contexto, as ações propositivas permanecem uma promessa.

Na verdade, a ausência de projetos ao nível local (reforma urbana, desenvolvimento sustentável, habitação, etc.) indica que a democracia no Brasil precisa ser aperfeiçoada, ou seja, o direito ao sufrágio universal reconquistado pelo topo da pirâmide deve ser agora legitimado pela sua base. Eu explico: o direito que desfrutamos hoje de votar e ser votado foi na verdade uma concessão das classes dominantes para se adequar a uma nova conjuntura global, e agora, cabe a nós impor as regras do jogo.

Sim leitores!Impor a regras do jogo, que significa abandonar a prática recorrente de denúncias (algumas consistentes e outras nem tanto) ou o aparelhamento de entidades da sociedade civil, que se provou com o tempo, que além de não levar politicamente a lugar algum, criou um sentimento de desconfiança junto aos formadores de opiniões e impediu que segmentos com idéias novas tivessem a oportunidade de expor os seus projetos.

Mas impor as “regras do jogo” implica mais do que apontar equívocos dos partidos políticos e dos movimentos sociais mais ou menos controlados por eles, e sim, aposentar as suas “tropas de choque” que se foram importantíssimas nesse ¼ de século ao retorno a democracia, hoje não passam de empecilhos a construção de uma sociedade civil verdadeiramente organizada, atuante e propositiva: os “lumpens”.

De acordo com a definição clássica de Karl Marx, os lumpens são indivíduos que não foram aproveitados nos postos de trabalho oferecidos pelas fábricas, mas que de alguma forma, participavam do processo de industrialização de forma marginal. Assim, sobrevivem através de práticas ilícitas como trapaças, roubos, prostituição - e mesmo - na condição de pedintes. Hoje, o lumpesinato se estende além dessas atividades, pois as cidades foram crescendo e surgiram novas atividades legais e ilegais.

Assim podemos hoje identificar como lumpens os narcotraficantes e milicianos em seus diferentes graus hierárquicos, mas também, os pretensos “ativistas” ou “militantes” que vivem (ou sobrevivem) dos movimentos sociais, ”bancados” de forma temporária ou permanente por partidos políticos, organizações do terceiro setor, entidades estudantis e comunitárias, sem contar os diretamente financiados por parlamentares nos três níveis de governo.

Esses ditos “militantes” são bastante heterogêneos, contando com diferentes graus de instrução, influência política e inserção social, que vão determinar as colocações de cada um nos movimentos sociais e nas instituições estatais, por exemplo: aos “lumpens de luxo” são garantidos cargos comissionados em órgãos públicos, enquanto aos “lumpens tarefeiros”, são disponibilizados cargos estatais menores e influência política em sindicatos, diretórios acadêmicos e associações de moradores.

As práticas desses indivíduos - independentes da sua “orientação ideológica” - são as mesmas dos tempos da redemocratização: são aparentemente combativos, tem em seu repertório frases prontas, proferem discursos libertários, fantasiam-se de segmentos alternativos (Hippies, Rastafáris, Emos, Punks, muçulmanos, etc.) e normalmente são carismáticos. No entanto, todas essas características mascaram na verdade segmentos que não apontam para qualquer transformação da sociedade.

Para atestar o quanto esses lumpens não são nada libertários, o catador e indigente Rafael Braga Ferreira foi preso durante as manifestações de 2013 acusado de portar material explosivo. Mas que materiais eram esses?Uma garrafa de plástico Pinho Sol e outra com água sanitária, ”provas” suficientes para enquadrá-lo como “baderneiro”. “Enquanto isso a patricinha Elisa Quadros a ‘Sininho” tem ao seu dispor um batalhão de advogados para defendê-la e patrocinar a sua fuga.

É isso mesmo leitores. Dois pesos e duas medidas. Como Rafael Braga é preto e pobre não apareceu nenhum advogado do PSOL para declarar que Pinho Sol não é explosivo, mas a revista do PT “Caros Amigos’ não deixou de exaltar a branca e rica Sininho em sua primeira capa com uma chamada candidamente carinhosa. No cotidiano, os combativos” Black Bloks promovem todo o tipo de quebra-quebra, e quando são presos, tem sempre um representante da OAB para libertá-los - enquanto isso - jovens pobres que promovem “rolezinhos” em shopping centers são presos, espancados e até mortos por uma polícia que foi constituída para proteger os “bem nascidos”.

Considerando que o tempo está revelando que no Brasil direita e esquerda são a face de uma mesma moeda e que os lumpens sempre foram os seus “peões” do seu raso jogo de xadrez, está mais do que na hora de no mínimo aposentar esses espectros dos movimentos sociais, pois se foram úteis algum dia, eles hoje são nocivos ao aprimoramento da democracia ao nível local. E por quê? Eles não têm qualquer projeto para demandas como a democratização da mídia, mobilidade urbana, desenvolvimento sustentável, reforma da educação, reforma urbana e reforma política, debates da ordem do dia para que a democracia nesse país avance além do direito ao voto.

Mauricio Mendes é graduado em Licenciatura de Geografia pela UERJ/FFP. Campus São Gonçalo. Pós-graduado latu sensu: Especialização em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro pela UERJ, Campus Maracanã. Filiado ao Partido dos Trabalhadores sob o CNF Nº. 602.2438/10

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