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O fundamentalismo islâmico e o fracasso do projeto civilizatório ocidental



Al Qaeda, Estado Islâmico, Boko Haram, Al Shabab, Talibã. Esses nomes árabes e persas são repetidos todos os dias pela mídia, onde se expõe para opinião pública mundial, o fanatismo e a barbárie de organizações armadas que se utilizam da religião muçulmana para exercer tiranicamente o seu poder sobre populações inteiras, que vão da aplicação da lei islâmica conhecida como “Sharia” até o extermínio de populações que não seguem o credo de Maomé.

Nós, ocidentais, nos horrorizamos com o seqüestro de meninas no norte da Nigéria, com a decapitação e imolação de seres humanos nos restos territoriais do Iraque e Síria, com o tratamento cruel e desumano dispensado ao gênero feminino em países como Afeganistão e Paquistão, em fim, são atos que ferem os nossos princípios de livre arbítrio, democracia e direitos humanos que foram lentamente sendo construídos após dois séculos de reivindicações e crescente organização social.

Mas como leitor crítico eu faço as seguintes perguntas: Como se produziram tais grupos em pleno século XXI? Até onde vai a dita Globalização e o seu real poder de interação? É um desdobramento da “Guerra fria” ou mais um capitulo do processo de descolonização afro-asiático?Muitos ditos intelectuais terão certamente respostas na “ponta da língua”, algumas convincentes outras nem tanto. Assim leitores, atrevo-me a tecer considerações sobre esse preocupante fenômeno, apesar de muitos acreditarem viver em uma distância segura.

Tudo começou no ano de 1884. Nesse ano, um seleto grupo de países da Europa Ocidental reuniu-se no Congresso de Berlim para regulamentar a divisão de um continente inteiro, que ficou conhecida para a posteridade como “Partilha da África. Esse evento não contou com a participação de qualquer liderança africana e ocorreu paralelamente à subjugação da Ásia e Oceania, pois a “fome” de matérias primas e mercados consumidores exigiam o controle cada vez maior de áreas coloniais fora da Europa.

A civilização européia atingira o seu apogeu: a passagem dos séculos XIX e XX ficou conhecida como a “Belle Epoque”,quando se acreditava que o ocidente era o “farol” do mundo,o centro de irradiação de um então incontestável progresso permanente e que deveria ser estendido para as regiões do mundo ditas “incivilizadas”. A idéia de “progresso” significava impor os seus valores ao planeta, através da disseminação do cristianismo, da diplomacia - e em casos extremos - do uso da força militar, tendo como pano de fundo, a expansão do capitalismo.

No entanto, com o tempo, a distribuição territorial do mundo entre potências coloniais naturalmente gerou rivalidades como assinalou Lênin, e assim, os europeus jogaram por terra os seus princípios ditos “civilizados” em duas guerras mundiais, nas quais, perderam a sua hegemonia global em favor de duas emergentes superpotências: EUA e URSS. Mas não ficou só nisso. Com a sua autodestruição quase absoluta, foram incapazes de deter a descolonização afro-asiática nas décadas seguintes.

Com um mundo dividido entre duas superpotências ideologicamente antagônicas, as nações que foram surgindo no processo de descolonização se juntaram a América Latina no bloco heterogêneo chamado agora de “Terceiro Mundo”, e se converteram em “peões” no jogo de xadrez geopolítico internacional, se alinhando aos guardiões do capitalismo representado pelos EUA ou a “pátria” do comunismo representado pela URSS, sob o alerta permanente de uma hipotética guerra nuclear.

Ambas as superpotências se valeram de ditaduras fantoches em sua “guerra indireta”, pois se os soviéticos sustentavam ditadores como Nicolae Ceausescu na Romênia, os EUA respaldava a ditadura de José Augusto Pinochet no Chile. Se os soviéticos armavam os “vietcongs” no Vietnã, os americanos armavam os “mudjahedins” no Afeganistão. Se os sírios eram clientes dos soviéticos no Oriente Médio, Israel era o principal cliente dos americanos na região. Se os soviéticos invadiam a Hungria, os americanos invadiam o Panamá. E assim por diante.

A “Guerra Fria” em seus quarenta anos de disputa abafou as contradições construídas durante o período da colonização, ou seja, os países que surgiram no terceiro mundo - sobretudo na África e Oriente Médio - seguiram a mesma construção de estado nacional estabelecido no ocidente: um território, uma bandeira, um hino “nacional” e instituições correlatas, mas que eram sustentadas por ditadores sem qualquer representatividade junto aos seus ditos “cidadãos”, mas que eram representativos aos interesses geopolíticos e de transnacionais.

A descolonização africana na verdade fora uma “neocolonização”, pois se no período anterior eram poderosos países europeus que administravam territórios fictícios, agora as transnacionais é que sustentam essa farsa através de etnias cooptadas e ocidentalizadas que desprezavam a organização social dos seus povos. Para aqueles que optaram pelo “socialismo” igualmente desconsiderou-se as diferenças étnicas, religiosas e culturais em favor de um suposto “internacionalismo” sem precedentes de algum tipo de identidade nacional.

No caso do Oriente Médio foi até mais grave, pois foram criadas condições diretas para a eclosão de futuros conflitos ao longo do século XX: em 1917, antes mesmo da derrota final do Império Otomano, França e Grã Bretanha tramavam e legitimavam a sua partilha através da Declaração Balfour, onde além de serem criados estados artificiais denominados Iraque, Síria, Líbano e Jordânia, foi estabelecido um “futuro lar judeu” que dará origem a Israel, tudo em solene desconsideração a palestinos e curdos, povos que vivem na região ha milênios.

Em suas memórias Winston Churchill lembrava que “a Jordânia havia sido criada com régua e compasso numa tarde de domingo em Londres”. Tal afirmação exemplifica como os ocidentais se arrogavam (e se arrogam) no direito de decidir o futuro dos povos, primeiro em nome de um dito progresso, e hoje, em nome de uma questionável democracia. Em ambos os casos, tais palavras nunca foram muito claras fora do ocidente, tendo em vista, que asiáticos e africanos pouco tiveram contato ou ocorrera algum movimento parecido com o iluminismo.

Assim leitores, em 1979 quando explodiu e triunfou a Revolução Islâmica Iraniana e o Afeganistão fora invadido pela URSS, o resgate religioso se configurou em uma forma de resistência popular aos imperialismos ocidental e comunista, ou seja, com o fim do socialismo real doze anos depois e o advento da Globalização sob a unipolaridade norte americana, o fundamentalismo islâmico se espalhou do Oriente Médio para a metade da África, partes da Ásia e territórios resultantes da extinta URSS.

A Globalização, o neoliberalismo e a unipolaridade militar dos EUA permitiu que este passasse a liderar os países centrais através da ONU, OCDE e OTAN - e assim comodamente - pode empreender varias aventuras militares contra o então belicoso Iraque, a decrépita Iugoslávia e os miseráveis Haiti e Somália. Enquanto isso grupos terroristas criados, financiados e treinados pelos ocidentais durante a Guerra Fria sobreviveram. Dentre estes, a “Al Qaeda” na Arábia Saudita e o regime Talibã no Afeganistão.

Os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington perpetrados pela Al Qaeda - liderada pelo saudita Osama Bin Laden - foram respondidas com a invasão do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003, que resultou na deposição do regime Talibã no primeiro e a execução do ditador Sadam Hussein no segundo. Porém a “vingança” não deu certo: os Talibãs viraram guerrilheiros que os ocidentais não conseguem derrotar e o Iraque - e junto com a Síria - está sendo dissolvido por um autodenominado “Estado islâmico”, que recentemente apareceu também na Líbia.

Por fim, a existência desses grupos fundamentalistas islâmicos são o atestado que as pretensões civilizatórias propostas pelos ocidentais nos últimos cem anos fracassaram. E por quê? A colonização semeou e a neocolonização consolidou estados nacionais fictícios formados por vários povos - que mais cedo ou mais tarde - não resistiriam às diferenças culturais, étnicas e religiosas e que terminaram em sangrentas guerras civis, explicando assim, a emergência de grupos fundamentalistas islâmicos como o Boko Haram no norte da Nigéria e o Al Shabab na Somália, ou ainda, os poucos “midiáticos” fundamentalistas cristãos do “Exercito do Senhor” em Uganda.

O conceito de democracia e globalização, igualmente, não tem sentido em sociedades que foram atiradas a miséria em nome de uma suposta competitividade emanada pela ideologia neoliberal, como também, não tem sentido para povos cujos países não passam de “postos de gasolina” para as transnacionais petrolíferas como o Kuwait e o Catar no Oriente Médio ou o litoral da Nigéria e Gabão na África. O historiador nigeriano e professor da Universidade do Texas Toyin Falola explica o Boko Haram: “Trata-se de um grupo que se alimenta da frustração do norte com o governo. Mescla isso com a linguagem do islã, para questionar o valor do estado moderno”.

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