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A cidade e seus caminhos

Foto do escritor: Jornal DakiJornal Daki

Por Oswaldo Mendes

Igreja Nossa Senhora da Luz, do século XVII/Foto: Reprodução
Igreja Nossa Senhora da Luz, do século XVII/Foto: Reprodução

Acordei com um choro de criança. Moro no bairro do Zé Garoto onde não mais tem recém-nascidos e muitas poucas crianças. Bairro a caminho da extinção ou um projeto de repovoamento, como acontece atualmente no centro do Rio e a antiga região portuária.

           

As cidades também envelhecem. Zé Garoto é um bairro onde já se nota diversas casas e comércios fechados. As pessoas se mudaram ou morreram. Não há atração comercial para as ruas do bairro e os filhos ou netos dos antigos moradores da cidade se mudaram. Aqui só se instala igreja.           



As cidades que fazem fronteiras, ou estão próximas a São Gonçalo, têm uma melhor qualidade de vida, menor nível de violência urbana ou maior empregabilidade, sejam elas Niterói, Cachoeira de Macacu, Itaboraí ou Maricá, por exemplo.

           

Saiu na imprensa, como se fosse um grande espanto, que a Praia da Luz estava dominada pela violência. O local preferido dos Gonçalenses era a Praia da Luz, Praia da Beira, São João e, também, a travessia de barco do Focinho de Porco – Praia de São Gabriel, para Paquetá. Isso desapareceu há mais de duas décadas. Ninguém em sã consciência vai mais lá e, assim, uma parte da população começou a ir à Praia das Pedrinhas e outras Praias de Niterói e Maricá.

           

Para quem não se lembra, ou desconhece o que aconteceu na cidade, informo que o ex-prefeito Edson Ezequiel, nos idos de 1990, reformou as barracas que estavam à beira da Praia da Luz e as transformou em quiosques. Calçou a avenida à beira-mar e deu nova vida ao hotel e demais comércios da região.


A festa do dia 2 de fevereiro era linda!  A Igreja de Nossa Senhora da Luz que, inclusive é tombada, não tem o Livro do Tombo, foi reformada, à época.

O ”point” de São Gonçalo nunca foi a Praia das Pedrinhas, a qual veio a ser em função da violência que foi instalada em bairros da cidade, inclusive em toda a Ilha de Itaóca, proibindo-se a ida àquela localidade.

           

O bar do Nena, com a Segunda Sem Fome, era muito frequentado. Era a tarde e já à noite tínhamos a “segunda sem Lei”, na Covanca – do Wagner. Tínhamos na cidade, nessa época também, o Totonto, Bar do Blues, Caneco 90, Tulipão, ARCN, Sheera’s, Bar do Peixe, Mauá, Tamoio, Crol, Vila Lage, Camisolão, Porto da Pedra e mais um monte de locais para se divertir.

           

Pedrinhas era frequentado, nessa época, por Maurição, Carlinhos Maçã e Lambel. O pôr do sol era visto na Praia da Luz ou São João, os quais tinham um bom comércio, muita gente e, também, muito maruí, em época de “lua”. Era linda a época de andada de caranguejo ou a “Maré de Abril”.

           

Com o advento da Niterói-Manilha muito se dificultou a ida à Praia das Pedrinhas, alterando desde o curso do Rio Imboassu, desaparecimento do campo de futebol – sem compensação nenhuma à população e até mesmo com a dificuldade de transporte.


Podemos dividir essa história em quatro períodos, sendo o primeiro antes da Niterói-Manilha, o segundo depois da Niterói-Manilha e o terceiro início da violência na região de Itaóca – que afastou muita gente da localidade. E se quisermos finalizar, colocar a pá-de-cal, a estrada do COMPERJ foi o ponto que culminou com qualquer expectativa da região. Não é necessário dar mais detalhes em face à obviedade.

           

As praias que o jovem Gonçalense frequentava era, na maioria, em Niterói. Desde a Praia do Barreto, antes da Niterói-Manilha, a Gragoatá, Icaraí, Charitas (um dia conto sobre o saudoso Miro e o Grupo das Sereias), Adão e Eva e outras. Já as famílias iam para a Praia da Luz.


Praia das Pedrinhas tinha um bar-hotel que era administrado pelo Tenente Hélio, época do Regime Militar. Alguns diziam que o local era um prostíbulo. A época, ter um automóvel era para poucos. Não existia, a época, Uber; os táxis cobravam o que queriam (no tiro), a pé era longe e de ônibus muito demorava.


Para não arrumar uma grande confusão dentro da família e se quisesse ir ver um bonito pôr do sol ia-se então à Praia da Luz.


O que muito ajudou, o boom da Praia das Pedrinhas, além da violência instalada na Ilha de Itaóca, foi o Shopping, construído na época de Charles, ex-prefeito e mais transporte para o local. Pedrinhas foi a nova opção da cidade.

Essa mesma violência que afasta muitos, dá muito lucro para outros e pouco se fala sobre esse tema.


Guerra é a coisa mais lucrativa do mundo. O advento das entregas em casa substituindo a vida noturna nos bares; as câmeras instaladas nas residências; vans escolares para filhos e netos; uber para todas as atividades; câmeras nas vias principais geridas por empresas contratadas pela prefeitura, etc.


Violência deixa muita gente rica! Violência é um projeto muito lucrativo.


Não é sem motivos que foi retirado um batalhão de Polícia Militar da cidade (11 BPM) e que o efetivo da cidade, proporcionalmente, é catorze vezes menor do que o do Leblon, onde quebra-molas e barricadas não existem. Aqui se pode morrer! Um sepultamento, dos mais baratos, custa em torno de três mil reais.


Miséria, baixo nível de escolaridade, subemprego, falta de lazer, falta de saúde, falta de moradia, religião, medo e violência são irmão siameses: coexistem e retroalimentam-se para eternizar.


Já que citamos as câmeras nas ruas da cidade é conhecido por todos e todas, que os meliantes utilizam como estratégia para fugir de possível acompanhamento, que ruas e travessas secundárias viraram terra sem lei.


Os sistemas não “conversam” com outros sistemas estaduais, federal e de outras cidades vizinhas, assim a eficiência é baixa ou quase nula.


Vê-se carros oficiais de trânsito da cidade utilizando insulfilme 100% no vidro dianteiro, como o grande exemplo e os poucos comerciantes que ainda resistem têm sempre um reboque à sua porta, mas sem a opção de um estacionamento para poder vender e pagar impostos.


Que alegria acordar hoje com o choro de uma criança, já que meu despertar, quase todos os dias, é com estampidos de motocicletas, seja fazendo rolezinho, em fuga ou outras que tiram o escapamento para fazer entrega e acordar todos. E a Lei 10.490/2024, deste Estado, poderia ser lida e aplicada.


Não é sem motivos que cem mil pessoas abandonaram a cidade. Acompanhar os projetos das cidades vizinhas e ver que aqui só se fala em frases de efeito e, efetivamente, sem nada construtivo.


Destruíram o evento referente à Feira Nordestina; impermeabilizaram, desmataram e acabaram com a festa popular na “Rua da Caminhada”, cortaram todas as arvores das vias públicas.


É óbvio que a violência não acaba só retirando barricadas e, muito menos, só o Poder Executivo municipal, consegue; mas a cidade vem perdendo o “trem da história” e as empresas que trabalham na área naval tem tido muitas dificuldades com licenças em órgãos estaduais.


Não existe vácuo. É necessário ajudar as empresas da cidade que queiram produzir emprego e renda, caso contrário, vem de fora da cidade e nossos munícipes ficam com a sobra, o resto.

Tínhamos um padre que proibia que, eventos que não fossem autorizados por ele, passassem em frente à igreja - e teve “gestor” que aceitou. Tomara que ninguém nunca esqueça o nome dele. A igreja não tem SPDA e o sino pode cair na cabeça dos transeuntes, mas um bloco de carnaval ofendia aos seus preceitos. Teocentrismo!


Parece que o projeto oficial da cidade agora é tentar destruir uma das poucas coisas (instituição), que vem exportando uma imagem positiva da cidade há décadas, e para ficar mais triste, por problemas pessoais, em tese.


Será que ainda há motivos para continuar morando na cidade?

Oswaldo Mendes é Engenheiro Elétrico e de Segurança do Trabalho com Mestrado em Sistemas de Gestão.

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