A herança
- Jornal Daki
- 44min
- 2 min de leitura
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas

A relação entre pais e filhos, desde a gestação é uma linha que os une e jamais se romperá. Os filhos ouvem os pais e os pais escutam os filhos mesmo separados por quilômetros de distância e assim é, dizem os sensitivos, até após a morte.
LELETE, desde menino, brincava dentro do centro espírita de sua mãe. DONANA fazia caridade, trabalhava na linha de Exu Caveira e Vovó Cambinda. No morro, os médicos não vão e o remédio é apelar para as milagrosas rezas da curandeira.
LELETE cresceu e virou figura cada vez mais rara nas sessões e dias de consulta no centro. Sua vida era trabalhar e farrear, namorar e se fartar de vida. Numa festa de Exu, Lelete apareceu para beber umas e cantar uns pontos. Estava com saudades, há muito tempo não sentia aquela energia. Na “hora grande”, quando começaram a cantar para os donos da festa, Donana se pôs no meio da Roda, de fraque, cartola e bengala, concentrada para incorporar.
Lelete cantava forte, mas Donana só balançava e Exu Caveira não descia de jeito nenhum. A casa estava cheia e a falange toda na terra, menos o dono da festa. De repente, Lelete joga o atabaque pro ar, entra no meio da roda já incorporado. Era Exu Caveira. Naquele momento ele estava tirando a responsabilidade de Donana e passando para o filho dela. Daquele dia em diante, todas as obrigações da mãe, passava a ser do filho e ela estava aposentada.
Exu Caveira bebeu, dançou e deu consulta até quase o dia raiar. Antes de subir, ordenou que na próxima sessão, Lelete deveria estar vestido a caráter e pronto para trabalhar na caridade.
O tempo passou, o centro continuou forte, Lelete cumpriu à risca as determinações a ele impostas. Num dia em que saía do trabalho, Lelete sofreu um infarto fulminante e veio a óbito. Quando vieram dar a notícia a Donana, ela estava tranquila e disse que já sabia. Na mesma hora do desencarne, de sua cadeira de balanço na varanda, viu Lelete entrar pelo portão e ir até o centro espírita, sair de lá de fraque e cartola, pedir sua benção e desaparecer...
Na volta do sepultamento, Donana está em sua varanda. O filho de Lelete, seu neto, vem ao seu encontro, ajoelha-se, pede sua benção e deita a cabeça no seu colo. Donana sorri, beija a cabeça do neto, põe as mãos espalmadas sobre sua cabeça, fecha os olhos com a cabeça inclinada para cima e exclama: Laroiê!
O centro está vivo. No morro, a caridade continua. Exu Caveira reina.
Laroiê!
Obs: Qualquer semelhança com nomes e fatos reais, é mera coincidência.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor


















































