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Cidade Ilustrada é o projeto que sempre quis - por Mário LIma Jr.


Os artistas do Cidade Ilustrada: Amanda Caboocla morreu em acidente de automóvel no sábado (14/1)/Foto: Divulgação
Os artistas do Cidade Ilustrada: Amanda Caboocla morreu em acidente de automóvel no sábado (14/1)/Foto: Divulgação

Tava um calor danado em São Gonçalo nesse dia. Dentro do carro, na altura de Tribobó, o ar-condicionado gritava no máximo. Olhei pra fora e tive pena daquele cara lá, sozinho, carregando o sol nas costas e material de trabalho na mão, subindo uma escada pra pintar a coluna da passarela. Era ninguém menos do que siridomuro, representante ilustre da genialidade, força e dignidade do grafite gonçalense. Quem presta atenção na cidade já viu o trabalho dele. Quem frequenta o shopping Partage também já viu. Sabe a passarela? Está ficando linda, junto com diversos outros pontos da cidade, graças ao suor e talento dos nossos artistas.


Sempre quis que o município desenvolvesse um projeto que mostrasse São Gonçalo aos gonçalenses. Suas características especiais, visto que nenhuma cidade é igual a outra. São Gonçalo é tradicionalmente uma potência estadual de cultura urbana, que além do grafite inclui música, dança, teatro, escultura e outras manifestações artísticas. Acima de tudo, inclui consciência social, pois é movimento que agrega a juventude e procura desenvolver cidadania. De todas as “vocações gonçalenses”, como diz meu amigo sociólogo Wilson Vasconcelos, a arte urbana representa São Gonçalo muito bem, obrigado.



O projeto Cidade Ilustrada resolve ainda um problema municipal grave: a feiúra do centro urbano. Pergunte a impressão de alguém que visite a cidade pela primeira vez e ouvirá algo parecido com “paisagem cinza, confusa, fiação bagunçada, muros tomados por pichações e muito lixo no chão”. O Cidade Ilustrada põe cor, arte e fatos importantes da história local onde antes havia só poluição. É a substituição perfeita em um município onde a classe acadêmica, com poucos recursos, também se esforça para manter viva a própria memória.


Os grafiteiros transformaram a podridão do viaduto de Alcântara num símbolo de orgulho. Só de olhar para os painéis no viaduto, milhares de gonçalenses aprendem, todos os dias, que são capazes de grandes realizações em prol do bem comum. Elas aconteceram no passado e podem se repetir no presente. Além do siridomuro, coordenados por Marcelo Eco, artistas como Aila Ailita, Amanda Cabocla, Dyego Xamp, Eduardo Tex, Gustavo Gut, Italo Ogai, Marcelo Alio, Rafael Raf e Thiago Tr3p estão espalhados por Centro, Rodo, Colubandê, Santa Luzia, Maria Paula e Jardim Catarina pintando passarelas e viadutos.


Há mais a ser pintado e ensinado. Há muito mais a ser explorado em benefício dos jovens gonçalenses. Por exemplo, há anos cariocas pagam cursos rápidos para aprender a grafitar com artistas que começaram a carreira na cidade. São Gonçalo é a vanguarda fluminense do grafite, disse Marcelo Yuka durante uma palestra aqui (Arariboia Rock), o potencial econômico e social é de extrema importância. Por isso, longa vida ao Cidade Ilustrada.


***


Nota do editor: Este texto, assim como todos os outros do autor, foi publicado originalmente em seu blog (mariolimajr.com) neste sábado (14/1) no dia da morte trágica da artista e participante do "Cidade Ilustrada", Amanda Freitas de Assis, a Caboocla.


Os textos de Mário Lima Jr. são publicados aos domingos na seção "Domingos Daki" do Jornal Daki.


Perde demais São Gonçalo, mas perde ainda mais a arte urbana, fluminense, brasileira e mundial com o desaparecimento precoce dessa gonçalense que deixa um vazio imenso, difícil de ser preenchido devido ao seu enorme talento.


Vá na paz, garota!

 

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Mário Lima Jr. é escritor.



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