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Ser humano

Foto do escritor: Jornal DakiJornal Daki

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Por Paulinho Freitas

Lan e Moacir Luz presenciaram tudo...

Saí, nesta manhã de véspera de natal, para comprar pequenas coisas de que esqueci. Minha mulher me pede para comprar papel alumínio, descartáveis e afins. Reparei a correria de sempre das pessoas que deixam suas compras para a última hora, os ambulantes que tomam as calçadas e deixam os pedestres quase sem espaço para passar. Do prédio da antiga sede da prefeitura, até quase chegando ao clube Mauá, é uma gritaria só. Vende-se de um tudo. Os lojistas também não tem de que reclamar, as lojas estão com filas imensas nos caixas. O povo está comprando como se não houvesse amanhã. 


Das janelas dos prédios são jogados alguns montes de papéis picados, que vão dançando ao bel prazer do vento. Comprei minhas coisas numa loja menos cheia e tomei o caminho de volta para casa. Na praça da antiga loja Mariza, hoje eu chamo de praça do Obelisco, uma mulher de corpo escultural, dentro de um minúsculo short passa carregando consigo todos os olhares de todos os transeuntes. Os camelôs emudeceram, os policiais do DPO esqueceram as obrigações e abobalhados cumprimentaram a moça fazendo uma reverência com seus bonés, o cara que fazia churrasquinho queimou os dedos no carvão, mas chupava o dedo queimado com prazer. Até as mulheres pararam para olhar. E lá ia ela sem notar ninguém, ajeitava o imenso óculos e mexia os cabelos com um charme sem igual. Só uma figura magra e esguia não compartilhava aquele momento, ele estava mais ocupado em campanar uma senhora que acabara de sair de um caixa eletrônico e segurava a bolsa como quem segura a própria vida, apertava-a contra o peito e andava rápido. 



Quando viu a moça, ficou olhando também e deu uma relaxada, o malandro percebeu e zasp! Surrupiou a bolsa e saiu correndo, a senhora começou a gritar: Pega ladrão! Pega ladrão! Ouvindo aquilo o povo despertou do transe, os camelôs, os transeuntes, os policiais, todos num grito único que se fez ouvir por todo o centro: Pega ladrão! Pega ladrão!  


O rapaz que afanou a bolsa atravessou desviando dos carros, entrou por um lado do Rodo Shopping e saiu pelo outro lado, desaparecendo sem deixar vestígios. Em minutos os policiais voltaram a sua roda de bate papo, os camelôs voltaram a apregoar suas mercadorias, a mulher de shortinho entrou no estacionamento e saiu num carrão de vidros escuros e foi embora, sem sequer notar a confusão que seu desfilar aprontou. A senhora furtada era consolada por algumas pessoas que a acompanharam até a delegacia. As pessoas voltaram às suas compras e a vida volta ao normal. 


Na televisão de uma loja, o noticiário informa acidentes, tragédias, apreensão de drogas e armas nos portos, aeroportos e rodoviárias. Mais um político foi preso e ainda, pessoas baleadas em tentativas de assalto. O telejornal termina com um âncora simpático e sorridente se despedindo: _ Muito obrigado por sua companhia, pra você e sua família, um Feliz Natal! Até amanhã. 


É, vou pra casa e de lá não saio mais hoje. Tô legal de ser um ser humano. A gente está se acabando. 


Chego em casa contando para ela o que aconteceu na rua, ela tirando as coisas da bolsa e me olhando por cima dos óculos pergunta: _Cadê o papel alumínio? 


Pqp! Lá vou eu de novo. 

 

FELIZ NATAL! 


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.


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