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Sim, torna-se mulher, por Flavia Abreu



A famosa frase existencialista da filósofa Simone de Beauvoir, “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, ecoa na minha mente neste momento. A vida das mulheres é uma longa história de opressão e preconceito. Ao longo dos séculos, cada passo que damos, é o resultado de muita luta. O lugar que sempre nos foi reservado é um espaço de sombra, de segundo plano, de coadjuvante dos homens.

O direito ao voto veio em 1932, mas até hoje, é bem pequena a representatividade de mulheres na democracia participativa. E quando uma mulher chega a um cargo no Legislativo, um ministério ou até mesmo ao Executivo, como aconteceu com a Presidenta Dilma, vítima de xingamentos e demonstrações de preconceito de gênero, durante todo o seu mandato, ocorre uma espécie de “mal-estar” entre a maioria dos homens. É como se nós tivéssemos que trabalhar muito mais do que eles, para provar que somos capazes.


O mesmo ocorre quando ocupamos cargos de chefia no trabalho. Seja pela nossa competência ou pela legitimidade do voto direto, sempre surgem aquelas insinuações sobre uma suposta relação entre a nossa sexualidade e a nova função no emprego. Isso sem falar nas piadinhas e cantadas de mau gosto que ouvimos todos os dias.

Nas famílias, o lugar da mulher sempre foi, sobretudo, o do casamento e o da maternidade. Quando nos negamos a ter filhos, sofremos todo tipo de julgamento, como se tivéssemos uma dívida com a manutenção da raça humana. Uma mulher que se nega a casar precisa se explicar, ainda no século XXI, como se o casamento fosse o rumo natural da vida, e não uma contingência da mesma.

O medo sempre foi nosso companheiro. Nós, mulheres, sentimos medo todos os dias, quando caminhamos em ruas escuras; quando dirigimos nossos carros e paramos em um sinal de trânsito à noite; temos medo do assédio nos transportes públicos; nós enfrentamos, não raro, a violência _física, verbal ou emocional_ de ex parceiros que não aceitam o término de um relacionamento; nós ganhamos menos que os homens, em muitas profissões; nós enfrentamos o preconceito de gênero todos os dias. Enfrentamos preconceito por sermos divorciadas, por sermos independentes, quando moramos sozinhas, preconceito até por tomarmos a nossa cervejinha no fim de semana ("olha lá, tá na pista pra negócio"); preconceito quando fazemos amor no primeiro encontro e quando não o fazemos também; preconceito quando deixamos nossos filhos com o pai para irmos ao cinema com uma amiga; preconceito... olhares maldosos e perversos... inclusive de outras mulheres, quando amamentamos nossos filhos em público.

E é neste enfrentamento constante, entre medos e preconceitos, sociedade opressora, famílias e parceiros opressores, que nossa essência feminina vai se fortalecendo. É morando hoje, no Brasil, sob um governo que considera a mulher uma “fraquejada”, e com um ministério da “Mulher, Família e Direitos Humanos”, comandado, vejam só, por uma mulher que acredita que a mulher deva ser submissa no casamento, que a frase de Simone vai fazendo cada vez mais sentido para mim. O feminino cresce em cada uma de nós todos os dias quando nos impomos, quando revelamos à sociedade a nossa força e não permitimos que nos digam qual é o nosso lugar e nem o nosso papel.


Flavia Abreu é professora e blogueira.


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