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As mangueiras da ira no bairro do Rocha, por Erick Bernardes


Foto: Pixabay
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Na vida real os olhos captam o simultâneo, mas a crônica só pode representar ações sucessivamente. É a condenação da escrita: ser unidimensional para o coitado narrar a própria experiência. Mas... e se a fantasia ajudar, e se a imaginação forçar passagem, exigindo a própria autoria na criação literária? Aí sim, pode-se até imitar o Brás Cubas do Machado de Assis e montar no lombo do hipopótamo com vistas a percorrer as avessas do tempo. Exato, retroceder cronologicamente, só para recuperar aquela cena sobre o bairro Rocha, em seu desenvolvimento (se é que se pode chamar assim). Então façamos desse jeito, montemos no dorso do mamífero gigante africano e sigamos rumo ao tempo perdido.


O caso parece até daquelas histórias de romance colonial. Em vez de tomar o título emprestado do livro de As vinhas da ira, de John Steinbeck (1939), nome bonito, talvez pelas bandas de cá caberia bem nomear de As mangueiras do ódio, do Sr. Rocha. Pois é, a agressividade posta à prova nessas terras gonçalenses é típica e possui contornos ficcionais. Claro, quem iria acreditar que um cidadão espumava de raiva pela boca só porque uma ou outra criança pulava a cerca para comer as mangas maduras do pé? Sim, existiu isso no Rocha. História protagonizada pelo dito cujo homônimo, o senhor Rocha.


— Mas ele era agressivo, Marileia?


— Se era, dava até tiros se espingarda se o menino ou cidadão qualquer não fosse embora. Não importava se era criança ou não. Nervoso, isso sim, bravo feito cão danado. Eu ainda criança, tudo isso ao redor já foi a fazenda do Rocha. Meu tio entrou aqui onde hoje é a Rua João Damasceno Duarte pra pegar frutas e o maluco do Sr. Rocha mandou ele sair, lançando uma saraivada de tiros de espingarda. Na propriedade havia bois, cavalos e até cabritos. Lembro-me do trem que cumpria horário certinho. Juro, o trem corria por onde atualmente é a praça. Acabou o trem, mas tem a empresa de ônibus Galo Branco, do Zé do Boi, português meio nervoso conhecidíssimo em SG. Já teve supermercado Sendas também. Atualmente essa rua onde existia o curral é só prédio de apartamentos, rua até fechada na parte de trás pra malandro não assaltar morador. Constituía uma roça mesmo.


— Obrigado, Marileia, valeu a informação.


Pois é, caro leitor, hoje tem Caixa Econômica na rua do lado, Supermercado multinacional pertinho, há de tudo um pouco, mas era só mato, criação de gado e manga proibida. Quem diria, hein! Tudo urbanizado atualmente. Coisas da nossa fantasia? Só que não.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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