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Bichin... bichin..., por Erick Bernardes


Casarão da Legião (antigo ponto da LBV), pertinho da Estrada do Bichinho/Foto: Carlos Geovane
Casarão da Legião (antigo ponto da LBV), pertinho da Estrada do Bichinho/Foto: Carlos Geovane

Estamos no inverno, dizem as folhinhas dos calendários e as folhas das árvores que são as autoridades no assunto. Não se pode, por conseguinte, admitir a menor dúvida a respeito. É inverno. A poeira seca, o friozinho maroto, as festas caipiras on-line em vias de acontecer, os casamentos sem convidados e a moléstia da hora proveniente do vírus do inferno. Tudo isso anuncia que entramos na quadra das noites melancólicas e das saudades das brincadeiras e dos amores.


Que importa se o sol está fraco, é inverno. O raio de luz pincela de alegria o domingo matutino de alguém, quem sabe? Por que estou falando desta época do ano? Porque é justamente devido às infestações de pragas que atacavam os pomares gonçalenses, em tempos remotos de julho ou agosto, que surgiu o nome da localidade Bichinho. Pronto. Spoiler dado. Bichinhos aos montes espalhados nas ruas serviram para motivar o nome do lugar. Justamente, pequenas larvas infestavam os pés de laranjas e outras frutas dos sítios e fazendas do bairro Pacheco e, quando já não havia mais o que devorar, essas pragas caíam dos galhos e se amontoavam junto às valas vazias abertas nos cantos das ruas. E isso se repetia, um inverno atrás do outro. Resultado? Ficou o dito, de Estrada do Bichinho, lê-se a localidade assim até hoje. Isso aí!

O leitor enjoado pode parar de acompanhar a história se quiser, ou continuar mergulhando no relato acerca do município de São Gonçalo do início do século passado. Claro, acredito que não lhe parecerá exagero se o narrador aqui ressaltar a preciosidade de informação ainda por vir. Justamente, vem mais curiosidade aí. Bem, o caso é que centenas de pescadores acorriam ao lugar só para capturar os bichinhos de laranja que lhes serviriam de iscas para pescarias. Exato. Isca das mais atrativas para peixes de rios e das águas da Guanabara. E toda essa isca de graça. Ali mesmo, no Pacheco, antes de alcançar a localidade Legião.


Contudo, a história dá mesmo é pano pra manga, quer dizer, para laranjais e outras frutas mais, pois esse tal bichinho é justamente aquela larva de mosca que alguns passarinheiros comercializam ainda hoje na feira de Alcântara. Perfeito, explicação mais simples, larva de mosca da espécie Hermetia Illucens, bichinho da fruta, a servir de material atrativo na pescaria e alimentação avícula.


Bem, necessário dar créditos a quem lhe é de direito. Confesso até certa necessidade de escrever outra crônica detalhadamente. Mas não. A curiosidade do leitor merece o "aqui e o agora" da palavra comprometida. Explico: a história nos foi oferecida pelo gonçalense radicado atualmente em São Paulo chamado Carlos Geovane. Ele mesmo, um filho papa-goiabas da região referida por Bichinho e descendente de uma das famílias pioneiras locais.


— Rapaz, o que sei é que os arredores da Rua Domício Pôrto Filho, onde vovó tinha chácara, receberam a alcunha de Bichinho por causa de vários bichos minúsculos espalhados pelo chão. Havia estrada enorme chamada assim também, ia até quase o bairro Anaia. Verdade, ali mesmo, pelos lados de Legião, inclusive. Lembro de muita fruta, perdia-se de vistas os tais pomares. O terreno consistia de um lote herdado pelos pais da vovó. Era só um dos vários plantadores. Isso aí, os primeiros a habitarem o espaço. A chácara da vovó se originou do sítio do senhor Mamede Gonçalves, meu bisavô. Terras férteis, plantação bacana, mostrou fartura desde o começo.


Bem, caro leitor, se o bisavô do Carlos Geovane se viu em meio a certo declínio comercial devido ao prejuízo da exportação de laranjas na Segunda Guerra, decerto os frutos maduros começaram a apodrecer no pé. Quem colheria laranjas e outros alimentos se não houvesse comprador bastante? Pois é, ruim para os bolsos do senhor Mamede, bom para as moscas afoitas pelo néctar precioso e também ávidas por lançarem suas larvas confortavelmente.


Outra situação ruim ocorria por causa de alguns saques acontecendo em escala crescente nos referidos sítios dos agricultores locais. Sim, já dizia o pensador Richard Sallitsin, "pior que as moscas são os homens famintos". A problemática das exportações e importações gerou fome aos homens e mulheres ditos cordiais. Até os bichinhos devoradores de néctar ganharam os seus concorrentes. Exatamente, saqueadores famintos, os frutos foram atacados pelos bichos homens também. O loteamento daquele chão se mostrou de fato urgente. Assim o caso se efetivou, quando o desenrolar do tempo nos ofereceu a narrativa sobre a Estrada do Bichinho. Dito e feito, apelido talvez derivado do velho caminho repleto de larvas espalhadas pela chácara dos avós do Carlos Geovane e dos vários outros empenhados lavradores.


Pois é, missão cumprida. História registrada e compartilhada. Homens de assalto, larvas ou bichinhos aos montes batizando as cercanias de Pacheco. A cada ano, mais e mais pragas desse tipo pelos cantos da estrada. Quais pragas? Confesso dificuldade hoje de discernir.


* Agradecemos ao relato do Carlos Geovane, gonçalense que lá de São Paulo nos forneceu a base narrativa com a qual reconfiguramos esta história.


Clique aqui e veja o resumo de como é feita a criação de larvas.

Reprodução YouTube
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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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