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O futuro do passado, por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Reprodução YouTube
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Da minha longínqua infância trago lembranças espetaculares. Naquele tempo não havia internet, Iphone, Ipad, jogos eletrônicos e tudo o que há de melhor hoje em matéria de informática.


O ano era dividido em estações distintas: Janeiro, fevereiro e julho, eram as pipas que comandavam as brincadeiras quando o vento ajudava; o mês de março era aquela festa de material escolar novo, novos colegas que ficavam pro resto da vida e aquele cabeçalho que sempre saía com o ano errado; abril, maio e junho eram as bolinhas de gude coloridas entrando e saindo das búlicas, triângulos, B.Us etc.; agosto; setembro, outubro e novembro entravam em cena os bilboquês e piões que se desenrolavam das fieiras fazendo um potente zumbido e acertando os piões adversários; em dezembro os pensamentos voltavam-se para os presentes de natal e as roupas novas para o ano novo.


As tardes eram alegres, as meninas faziam a maior algazarra nas brincadeiras de queimado, vôlei, roda, pular corda, chicotinho queimado e mais um montão de brincadeiras que se inventavam na hora; as mães, vós, tias e vizinhas espalhavam-se pelas calçadas em conversas que só terminavam na hora da Ave-Maria, hora também que além de rezar preparavam o jantar da família. Naquele tempo a gente conhecia os garotos da outra rua e até mesmo de outro bairro.

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A gente sabia, por exemplo, de quem era a pipa só pelas cores. Acima da minha rua morava Gilmar, um mulato muito forte, flamenguista roxo, sua bicicleta era toda enfeitada com as cores de seu time de coração, suas pipas sempre tinham o mesmo escudo desenhado no centro dela.


Na rua debaixo, Marcos e Rubinho faziam juntos uma pipa branca com um vaso de flores desenhado no meio; do Morro da Madama uma pipa toda preta denunciava seu dono: Gato Félix, um cara de mais ou menos 1,90m de altura que impunha respeito quando falava com aquela voz de trovão; Cassildinho vendia pipas e todas tinham o mesmo estilo, todas listradas, Emevaldo fazia duas pipas por final de semana, uma branca com uma cruz azul marinho e outra também branca com um X azul marinho.


Quando já findava a tarde formávamos vários times de futebol e jogávamos por um gol para que saísse aquele time e entrasse outro. Todos se conheciam, todos se respeitavam, todos eram amigos para todas as horas. A primeira paixão e o primeiro amor estão como uma tatuagem em nossos corações.


Fiquei saudoso hoje depois que um vizinho passou por mim e perguntou se eu não morava mais no bairro, respondi que as idas e vindas da vida, saindo muito cedo para o trabalho e voltando muito tarde para casa me impedia da convivência, minhas crianças tinham crescido e casado, então não tinha mais o costume de sair para comprar pães, refrigerantes e seus acompanhamentos para o lanche das tardes de domingo, ao que ele me indagou:


“_Crianças? Você tem filhos?”


Caramba! Que tempos são esses? Meus filhos passaram a maior parte do tempo dentro de casa, estudando e brincando numa máquina, jamais se interessaram pelas pipas ou futebol ou todas aquelas brincadeiras que enfeitara minha infância. A convivência dessa galera de hoje é virtual, pelo e-mail ou whatsapp, geralmente seus amigos moram em outra cidade e até mesmo em outro país, os colegas de escola vão se perdendo pelo caminho, a cada ano uma nova turma de amigos sucede aquela do ano passado e assim se vai a melhor parte da vida.

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Paulinho Freitas é compositor, sambista e escritor.

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1 comentário


JULIO PEREZ
1 de abr de 2021

Ouvir Paulinho Freitas contando causos nas reuniões é um balsamo para os ouvidos e ler Paulinho Freitas é colírio para os olhos e alimento para a alma . Parabéns amigo .

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