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A Ponta do Mutungabo ou o bairro Gradim, por Erick Bernardes

Certa vez, numa dessas pesquisas sobre o município de São Gonçalo, ouvi de um morador antigo que às margens do lado de cá da Guanabara abundavam as aves selvagens denominadas Mutum. Exatamente. Isso teria deixado registrado nos mapas gonçalenses inúmeros nomes de bairros só por causa do referido animal: Mutuá, Mutuaguaçu, Mutuapira, Mutungabo, enfim.

Estou quase certo que o leitor desconhece o último registro do bairro referido, ou seja, nunca ouviu falar da tal Ponta do Mutungabo. Mas é porque o nome mudou, houve um tempo (séc. XVI) em que as terras indígenas, batizadas em honra ao mutum, modificaram o registro territorial mencionado para Gradim. Bem provável dessa tal mudança ter ocorrido por volta do séc. XIX, justamente devido ao nome de um figurão importante se revelar corrente por essas bandas, o médico Dr. Antonio da Silva Gradim. Isso mesmo, nada incomum quanto a isso. Normal, corriqueiro, homenagem grã-fina. Que mais existe por aí é logradouro com nome de sujeitão imponente e representativo da medicina.

Outro nome relevante para o lugar foi o do empresário Rosendo Rica Marcos, filho do espanhol Evaristo, fundador de um curtume muito famoso em São Gonçalo. O Curtume Zoológico São Sebastião, ali mesmo na região do Gradim. Fabricavam-se nas redondezas peças em couro, tamancos e outros apetrechos e utilitários, tudo feito no curtume da família Rica Marcos. Atualmente há um CIEP de mesmo nome, curioso porque é onde os alunos pesquisam as mesmas crônicas sobre os bairros de São Gonçalo que contam esta história que você lê agora. Incrível como a roda do tempo faz questão de juntar as pontas cronológicas, não é mesmo? Na atual escola do Gradim se estuda o espaço público de outrora. A Ponta do Mutungabo de antes serviu à pesquisa escolar sobre a vida do Gradim de agora. Que poético saber disso! De acordo com o comerciante local Nilo Sérgio Barbio:

— Os bois vinham com frequência e serviam ao matadouro em descarga de trem na Estação Porto da Madama. Havia uma curtidora de couros por ali perto também. As construções continuam existindo, mas alugaram o espaço para outras coisas. Lembro bem, peguei o finalzinho dessa época, tempo bom. O gado chegava na locomotiva, descia e entrava pela rua da feira em direção à fábrica de carnes e derivados. Parece que foi ontem, marcou a minha infância, de fato isso marcou.


Bem, depois que o Nilo falou, refleti sobre a Ponta do Mutungabo e as aves nativas chamadas Mutuns, pois hoje ninguém conhece mais. E, reconheço, ao conversar com esse novo amigo, nem entrei nas histórias das festas e grupos carnavalescos do Gradim. Lembrar pra quê? Ia falar do divertido bloco Xavante, de quando os foliões com roupas de índios davam o tom alegre de fevereiro em caminhada até o carnaval do bairro Paraíso. Ou comentaria sobre o Clube Náutico Gonçalense e os banhos de mar na Praia perto do Cassinú, regados a sucos de goiaba e pão com sardinha da fábrica de enlatados Rubi; indústria de ali pertinho mesmo. Mas não, melhor não, pois o simpático Nilo engole em seco, feito espinhas de peixe, as palavras chorosas que não saem.



Enfim, memórias de outra época. Nostalgia. Necessário agradecer. "Obrigado meu amigo, já me ajudou muito. Abraço".


Fonte: ANDRADE, Priscila Pedro. 2011. 158f. Dissertação (Mestrado em Processos Formativos e Desigualdades Sociais) As crianças e a(s) leitura(s) da cidade: o Gradim como um (con)texto alfabetizador. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores, São Gonçalo-RJ, 2011.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.


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