Zé Pilantra, por Paulinho Freitas
- Jornal Daki

- 21 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
SÃO GONÇALO DE AFETOS

Eu sou católico por convicção, respeito todas as religiões, mas gosto dos meus santos católicos e honro seus dias. Adoro carnaval também e nesta época gosto de ver a alegria do povo nas ruas com suas fantasias engraçadas, os carrancudos que passam o ano inteiro de mau humor e quando o Rei Momo recebe as chaves das cidades, se travestem de mulher e ficam muito engraçados brincando com todos, carnaval é uma felicidade só. Adoro os bate bolas, os índios, os cabeções, os piratas, os cowboys, enfim, adoro tudo.
O que mais amo é desfilar na minha ala de compositores da escola do meu coração, meu único amor carnavalesco o GRESU Porto da Pedra, quando passamos na avenida com aquele terno branco parece que somos autoridades, grandes intelectuais, você sente o respeito com que as pessoas olham para você. Eu fico muito orgulhoso dessa minha ala. Após o carnaval, no primeiro domingo após, a escola faz seu desfile para a comunidade de São Gonçalo, nossa emoção é maior ainda, pois vemos nossas famílias e nossos amigos torcendo por nós e emocionados também, é impossível não deixar uma lágrima escorrer neste momento.
No último desfile que fizemos aqui eu saí da avenida e vim caminhando para casa todo garboso com meu terno branco, gravata vermelha e chapéu panamá. O desfile termina no bairro Parada quarenta e eu moro na Brasilândia, é uma boa caminhada. Perto do cemitério central de São Gonçalo tem um posto de gasolina onde a garotada se reúne antes e depois das baladas, parei lá para beber a “saideira”, quando já estava quase na rua me vem uma menina muito bonita com seu namorado e quis fazer uma pilhéria comigo:
_ Aí seu Zé! Passa a visão do nosso futuro aí!

Dei uma parada daquelas de sambista, um rodopio e tirei o chapéu num cumprimento típico de uma entidade das religiões afro-brasileiras e de olhos fechados mandei pra ela:
_Boa noite moça Maria Clara, tem cigarro?
A menina arregalou os olhos azuis e ficou branca como uma vela, ela não ia imaginar que eu sabia seu nome, o garoto começou a tremer, eu não perdi a pose e continuei minha interpretação:
_ Você é muito moça para estar na rua a esta hora e esse “perna de calça” que te acompanha não se garante na madrugada. Os dois não trabalham, são a preguiça em pessoa na escola só pensam na madrugada que é lugar de malandros e malandros vocês não são. Não precisa ser desencarnado para saber o futuro de vocês já que do jeito que vocês estão indo ele é nenhum. Daqui a pouco vai ter confusão, hoje vocês estão com sorte que eu estou perto, mas na próxima vez não sei não, vocês vão se machucar, está arriscado a um dos dois não voltar pra casa.
A menina começou a chorar e abraçada ao namorado implorava para ir embora. O namorado me olhava apavorado. Saíram andando rápido a caminho de casa. Ao mesmo tempo uma confusão se formou e vários tiros foram disparados, na confusão ainda vi os dois correndo mais que Queniano em dia de São Silvestre. Eu corri também.
Na verdade ela é filha de um amigo de trabalho e ouço falar nela desde que era uma linda criancinha. O pai falava nela o dia todo, eu sabia tudo da vida dela, só que ela não me conhecia. Foi brincar comigo, coisa de adolescente, e eu quis entrar na brincadeira, mas por coincidência deu essa confusão, saiu tiro e ela foi embora pensando que tinha conversado com uma entidade do além.
Eu já caminhava perto do Clube Tamoio rindo da minha interpretação Pilantra de Zé Pelintra quando o transformador do poste estourou e tudo ficou as escuras, comecei a escutar passos atrás de mim, dei uma meio parada e os passos diminuíram também, olhei para trás e na penumbra vi uma pessoa vestida igual a mim, não dava para ver o rosto. Parei e firmei a vista para ver se conhecia e a pessoa me cumprimentou:
_ Boa noite moço, tem cigarros?
Amigos, eu não sei de onde tirei forças, mas corri muito. Os sapatos de salto carrapeta faziam barulho no chão e eu ouvia o som de outros passos atrás de mim e quanto mais eu corria mais aumentava o barulho, parecia que ele ia me alcançar. Já no portão de casa com as mãos trêmulas sem conseguir pegar as chaves dei a derradeira olhada para a esquina que Graças a Deus estava vazia. Entrei, me benzi, respirei fundo encostado do no portão. A lua cheia iluminava todo o quintal, antes de entrar em casa ouvi uma alta gargalhada e um grito com voz de trovão:
_ Quá,quá,quá,quá,quá,quá, Laroiê Exu!!!!!
Pode ser que um companheiro de ala tenha me pregado uma peça, não tenho como saber. Por via das dúvidas: Laroiê Exu!!!!!

Paulinho Freitas é compositor, escritor e sambista.















































































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