Amoladores de faca, por Karla Amaral
- Jornal Daki

- 13 de jun de 2021
- 2 min de leitura

Numa tarde de domingo numa Rua de Guaxindiba, um pastor se depara com a cena de alguns homens espancando violentamente uma jovem travesti. Seu olhar humanitário não permite desviar seu caminho e implora pela vida daquela mulher. Muito agredida e machucada Hillary é encaminhada para o Pronto Socorro de São Gonçalo. A equipe médica realiza o primeiro atendimento e a liberam, apesar de continuar sentindo dificuldades para respirar. Sua família a leva para outra Unidade Hospitalar que a atendem e a liberam novamente. Seu corpo foi sepultado no cemitério municipal do Pacheco.
Albertinho depois de visitar um amigo da escola para assistir uma partida de futebol na TV estava a caminho de casa, quando na Rua Mentor Couto encontrou dois homens próximos a um ponto de ônibus. Esses homens não foram com a cara de Albertinho. Ele gostava de ler livros e estava cursando o Ensino Médio numa escola em Niterói. Albertinho era muito simpático e bonito. Foi espancado até sua morte. Seu corpo foi encontrado num terreno baldio duas quadras da sua casa. Seu corpo foi sepultado no cemitério São Gonçalo.
A pandemia e a necessidade de controle da doença não permitiram que a escola de Jonathan permanecesse funcionando. Sua mãe e seu pai precisaram trabalhar e deixaram o menino em casa com outros coleguinhas. Jonathan estava brincando de FreeFire. Sempre ganhava dos outros colegas mais novos e nunca se cansava disso. Era um menino alegre e brincalhão. Não entendeu quando ouviu barulho de tiroteio muito perto de sua casa e não teve tempo de se esconder debaixo de sua cama. Seu corpo foi sepultado no cemitério de São Miguel.

O que Hillary, Albertinho e Jonathan tem em comum, além de terem nascido e morrido em São Gonçalo, é o aniquilamento de suas existências e subjetividades. Os corpos trans, os corpos pretos, os corpos afeminados, os corpos sexualizados, os corpos fora do padrão são facilmente exterminados. Esses corpos não pertencem a nossa sociedade. Eles são alvos.
Nossa sociedade está cheia de amoladores de faca, como Luis Antônio Baptista na Cidade dos Sábios afirmava. Os amoladores de faca são aqueles que reproduzem a negação da subjetividade e existência de Hillary, Albertinho e Jonathan, cuja faca já amolada é cravada no peito.
Amolamos pacientemente nossas facas. Todos os dias. Amolamos quando dizemos ou não combatemos falas como: “Ele estava no lugar errado, na hora errada” “Isso é falta de Deus”, “Também, olha como ela saiu de casa?”. Infinitas vezes amolamos nossas facas.
Culpabilizando e individualizando questões sociais amolamos nossa faca. Desqualificando e rebaixando vozes de mulheres amolamos nossa faca.
Os amoladores de faca sou eu e você?

Karla Amaral é psicóloga e escreve para o Daki aos domingos.
















































































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