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Jogos Vorazes

Por Paulinho Freitas


SÃO GONÇALO DE AFETOS


Foto: Pixabay
Foto: Pixabay

O jogo foi inventado a milhares de anos, sabe-se lá por quem, mas foi para passar o tempo. Somos seres que gostam de uma disputa e vimos, com o tempo, que poderíamos ganhar alguma coisa com isso. Daí nasceram as disputas.


Meu primeiro contato com o jogo foi ainda bem jovem. Naquele tempo sem internet e televisão o divertimento era jogo de bola, pipa, pião, essas coisas que a gurizada de hoje não sabe nem o que é. Numa tardinha, já escurecendo, vi meu amigo sair de um terreno onde a rapaziada costumava jogar ronda, um jogo de baralho, à luz de velas. Ele chorava muito, perdeu todo o salário, que já era pouco, no famigerado jogo. E ainda tinha que arrumar dinheiro para dar em casa, se não ia dar o maior problema. Jurei que jamais me envolveria com aquilo. Naquela época já dava uns traguinhos nos cigarros e sabia que aquele vício ia me levar uma grana preta, ainda ia me envolver com jogo? Não, melhor não.



Certo dia, desempregado, aceitei uma vaga num barco para pescar atum em alto mar. Não tinha experiência nenhuma, era o chamado ”pirão”. Ia, sem garantia de volta ou de ganhar alguma coisa, se pescasse ganhava, senão pescasse, além de nada ganhar, ainda tinha que descarregar o barco para pagar a comida dos dias em que fiquei no mar. Por obra e graça de Deus, quando cheguei ao cais o barco estava indo para o estaleiro, o eixo central havia partido, o dono do barco estava uma fera e eu mais sem esperança ainda. Voltei pra casa desanimado, a ponto de fazer uma besteira. Parei no bar do Horácio, bebi umas, mandei “pendurar” e fui andando. A rua já estava deserta, passava da meia noite, aquele silêncio só era quebrado quando os cachorros latiam nas casas ao me verem passar. O bar da Sônia estava fechado, mas ouvi vozes lá dentro. Era jogo. Dei três batidas na porta e abriram.


O jogo era Monte Inglês, um tipo de jogo de baralho. Peguei os parcos cruzeiros que tinha e comecei a jogar, estava com sorte aquele dia. Saí de lá quase as sete horas da manhã cheio de dinheiro, mais de dez salários, uma fortuna para quem estava desempregado. Nem dormi.



Paguei a quem devia, fiz umas compras e guardei um dinheiro para voltar para o jogo. Quando anoiteceu já estava eu na cabeceira da mesa, lá pelas tantas meu dinheiro acabou, fiquei sem um centavo, frustrado e arrependido de ter voltado. De repente olho para o chão e vejo uma nota, pus os pés em cima e sem que notassem apanhei a nota, era de um cruzeiro, voltei para o jogo, comecei a me recuperar, já tinha ganhado uma grande quantia e era hora de sair, mas o vício não deixou. Perdi tudo e amanheci com cara de bunda. Jurei nunca mais sentar numa mesa de jogo.


Confesso que o jogo do bicho jamais me perdeu e toda semana faço minha “fezinha” na loteria federal. Às vezes, muito raramente, ganho alguma coisa. Pouco, mas a gente fica radiante, achando que arrebentou com a banca, mas se somar tudo o que já se jogou o valor ganho não chega nem perto. Andei flertando com as maquininhas de caça-níqueis, é um jogo fascinante e facilmente viciante, mas não me empolguei não. O meu negócio era mesmo as cartas, essas graças a Deus, nunca mais vi.


Já vi um cara perder o dinheiro do aluguel de sua casa numa dessas máquinas, vi uma senhorinha, que já passou por aqui como personagem, perder toda a sua aposentadoria na máquina e após pôr seus últimos dez reais lá, recuperou tudo e ajoelhou-se no chão jurando jamais voltar. Qual não foi a minha surpresa ao vê-la, no dia seguinte, no mesmo bar, jogando na mesma máquina. Ô vício maldito.


Existem também os cassinos on-line, que você perde dinheiro de qualquer lugar, do trabalho, na praia, no velório, no casamento, o negócio é te levar à banca rota. Muita gente está indo à falência múltipla dos bolsos, carteira, conta bancária e cartão de crédito. Tem ainda o jogo da vida, onde se joga com os sentimentos dos amigos e de todos os que admiram e respeitam. Esse é o pior jogo. Se você entrar nele e for desonesto, nunca mais terá o poder de levantar os olhos para olhar para alguém. Nem para os céus para pedir perdão a Deus. Orai e Vigiai! Inté!


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.


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