Marcha a ré - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Jesus Jorge nasceu no interior do Ceará. Passou todo tipo de privação e aos quatorze anos se juntou a um grupo de retirantes e partiu para o Sudeste. Na bagagem, sonhos, esperança, incertezas, o olhar para trás e o jurar voltar um dia estribado na grana e matar a fome de seu povo, comprar um pedaço de terra e ter uma criação, plantar e colher seu próprio sustento.
Quanto mais sonhava mais crescia dentro de si a vontade de vencer.
Jesus Jorge chegou a um Sudeste covarde e traiçoeiro, cheio de preconceito e covardia.
Trabalhou de sol a sol em todas as sub profissões de que se tem notícia. Dormiu em banco de praça, embaixo de marquises, em porta de igreja, sem poder entrar, pois o Jesus que estava lá dentro, não o aceitava como igual ou como filho do mesmo Pai.
Jesus Jorge morou pelas ruas, tendo o céu estrelado como cobertor e se alimentando da caridade alheia. Para fugir da realidade e espantar o frio começou por tomar algumas doses de cachaça, tornou-se alcóolatra, pedinte e usuário de drogas. Uma vez levou uma “piza” da polícia e sua saúde mental que já estava abalada desandou de vez.
Numa tarde de sábado Jesus Jorge estava mais uma vez no centro da cidade aguardando as almas caridosas que levam alimento aos moradores de rua. Pela avenida Central uma romaria de gente cantando e louvando ao senhor Jesus.
Uns clamavam aos gritos, outros pulavam em êxtase, alguns choravam, vários pastores e cantores sobre os diversos trios elétricos eram saudados pela multidão que também cantava para Jesus, louva a Jesus, clamava por Jesus e não via Jesus, bem ali, cansado da vida, sofrido, faminto e sem esperança, a espera de um milagre.
O cortejo passou e Jesus ficou, como há dois mil anos atrás, ali, sendo preterido por Barrabás.
À frente da multidão uma faixa: “MARCHA PARA JESUS.”
Alguém avisa lá na frente que eles estão marchando pro lado errado. Jesus está ficando para trás.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.
