top of page

Natanael e Crispim - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Reprodução Twitter @nossosorixas
Reprodução Twitter @nossosorixas

Valentina e Eugênio casaram sonhando ter muitos filhos. Os primeiros anos de casamento infértil julgaram ser por motivo da ansiedade dos dois, mas conforme o tempo ia passando, um pensava que a culpa era do outro. Foram a médicos, fizeram vários exames e nada de anormal foi encontrado em nenhum dos dois. Por fim puseram a culpa no destino ou na vontade de Deus e resolveram que não teriam Filhos.


Adotaram um cão enorme que um amigo de Eugênio queria sacrificar por ser muito agressivo. Com o carinho e tratamento vip dado ao animal ele se transformou numa doçura só. Até com o gato da casa vizinha brincava.


Tudo corria bem até que Valentina teve um sonho com duas crianças a chamando de mamãe. As crianças choravam e a chamavam cada vez mais forte, pareciam estar sozinhas, em perigo, em algum lugar. Valentina acordou assustada e suando em bicas, chorava desesperada, Eugênio ficou impressionado e naquela noite não conseguiram mais dormir. Dali para frente Valentina pôs na cabeça que adotariam uma criança, ela cismou que em algum lugar um filho nascido do seu coração a estava chamando. Só que Eugênio não queria nem ouvir falar no assunto, mas ela insistia:



_ Podemos adotar uma criança com os olhos claros como os teus, cabelos lisos, parecido com a gente!


Eugênio retrucava:


_Adotar uma criança não é comprar roupa, ou uma bicicleta, ou um carro que você escolhe a cor, o modelo, o ano. Isso é coisa séria e além do mais não sabemos de onde veio e nem como será quando crescer. Eu não aceito. Mesmo sendo do meu jeito, eu não aceito.


Valentina insistia, e quando mulher quer uma coisa não adianta fazer bico, não adianta cara feia. Enquanto ela não conseguir o que quer ela não sossega.


Certa noite quem sonhou foi Eugênio, o mesmo sonho que Valentina teve. As crianças o chamavam de papai, choravam e o chamavam cada vez mais forte e como Valentina naquela outra noite, Eugênio acordou suando e desesperado. Não contou para Valentina, mas aceitou a ideia de ir a um orfanato visitar e ver se o coração amolecia e alguma criança iria fazê-lo mudar de ideia quanto ao assunto adoção, mas tinha que ser do jeito dele, branquinha, com olhos claros, assim como na loja de roupa, bicicleta ou automóvel. Já que era pra ser contrariado tinha que ser do seu jeito.


Ao entrarem no abrigo, logo ao atravessarem o portão viram, brincando com um carrinho de madeira o Natanael, ele só olhou para Eugênio, não sorriu e não esboçou reação alguma. Só rodava com o carrinho para lá e para cá, olhava para o carrinho e olhava para Eugênio que ficou meio que tocado, mas sem ter certeza do que sentia. Lá dentro outras crianças os vieram recepcionar e pulavam em seus pescoços e beijavam seus rostos e perguntavam se podiam ir para sua casa, Valentina só chorava e Eugênio pensava em Natanael.


Várias visitas foram feitas e apesar de Valentina ter se encantado com todas as crianças Eugênio a convenceu a tentar uma maior aproximação com Natanael. No dia marcado para apanhar a criança para passar o dia com o casal, ao chegarem no orfanato souberam que o Natanael tinha um irmão gêmeo que também estava lá, recém saído de uma cirurgia.


As duas crianças ficaram órfãs depois que um balão caiu sobre a favela onde moravam queimando muitos barracos e fazendo com que seus pais virassem estrelas brilhantes no céu em noite de lua.


O casal foi até lá conhecer o garoto que muito sorridente perguntou como ele ficaria, porque iriam levar o irmão embora e ele ficaria sozinho no mundo. O casal percebeu então que aqueles dois sonhos em separado se juntaram na realidade. O casal adorou Natanael e Crispim. Não foram felizes para sempre porque esse tal de sempre não chega nunca, estão felizes.


As crianças estão com quinze anos agora, Crispim se prepara para fazer o ensino médio, Natanael é autista, não fala, mas aprendeu a sorrir e agora são dois os carrinhos empurrados para lá e para cá. Um carrinho para Natanael e um carrinho para Eugênio, um paizão da porra! Por ironia do destino, os dois são negros como os negros que todos somos. Ah o amor!!!!!!!!!!!


CALMA COMO A PAZ DE OXALÁ

IBEJI VEM BEIRANDO O MAR

CRIANCA!

MORADA DA VERDADE ONDE A RAZAO

DESCANSA!


Bejiróó! Oni Beijada!


Salve as crianças!

 

Ajude a fortalecer nosso jornalismo independente contribuindo com a campanha 'Sou Daki e Apoio' de financiamento coletivo do Jornal Daki. Clique AQUI e contribua.

Paulinho Freitas estará no Flisgo apresentando seu livro Coisas do Tigre e batendo um papo com os leitores. Compareça!




POLÍTICA

KOTIDIANO

CULTURA

TENDÊNCIAS
& DEBATES

telegram cor.png
bottom of page