Os Brabos - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Pensam que esse negócio de homofobia é coisa dos novos tempos? Que nada! Lá na década de 70, no regime militar, era quase um crime assumir a sexualidade. Lembro de Orestes boca mole, vendia frutas e legumes pelas ruas. Quando passava pela porta do vizinho, um português ignorante que só, gritava com a voz molenga: Bananasssssssss! Banassssss graúdas! Para comer com pão ou sem e no lombo do bacalhau também! Bananaaaasssssss!!!!!
O português Saia de casa xingando em todas as direções: _”Paneleiro” dos infernos! Vais “dar uma queca” com teu pai! Um dia inda te racho no meio de tanta pancada ô “fila”!
Orestes Boca Mole fazia um bico de flor e saia caçoando, chacoalhando os ombros.
Perto da casa de Maneca, um machão inveterado, casado com a santa Meméia, Orestes Boca Mole gritava: _Pepinosssss! Pepinossssss para saladas, pode comer cru ou na rabada! Pepinossssss! Pepinossssss! Se for frouxo vai ao vento, se for macho cai pra dentro! Pepinossssss!!!!
Maneca ameaçava pegar o revólver, mas Meméia o segurava, enquanto ele viciferava: _ Tu morre hoje bicha maldita! Te mato hoje!
Orestes Boca Mole sacudia os cabelos, dava uma rebolada e respondia com deboche: _hum, hum...!!!! E continuava com sua alegria fazendo a festa por onde passava.
Aos sábados, Maneca, o machão, saía de casa cedinho para jogar seu sagrado futebol e só chegava em casa bem de tardinha. Meméia estranhava que a roupa do futebol voltava tão limpa quanto quando saiu e quando ela perguntava o porque as costas do marido estava toda arranhada, ele respondia com a costumaz ignorância: _ Futebol é pra macho. A gente leva porrada, cai, se machuca. Quer homem liso casa com frutinha que faz tricô. Bota logo meu almoço e não enche o saco! Meméia tremia de medo e obedecia sem mais perguntar.
Já o português, acordava no domingo cedo, assistia a missa das sete e desaparecia. Ninguém sabia onde ele se enfiava e só chegava em casa à noitinha.
Um belo dia Orestes Boca Mole cismou de ir a São Paulo, conhecer o Mercado Municipal e ver se conseguia se estabelecer. Nunca mais voltou.
De sua varanda, o português passava as tardes de domingo olhando para o final da rua. Sua mulher perguntava: _ O que tens homem? Que tristeza é essa? Saudades de Portugal? E ele respondia: _ Saudades de onde está meu coração. E a mulher inquiria: _ Ora pois, só pode estar lá, por entre as videiras! Ele baixava a cabeça e respondia: _ Quem sabe mulher? Quem sabe?
Do outro lado da rua, Maneca olhava para céu com lágrimas nos olhos. Nunca mais saiu aos sábados para o futebol. Disse a sua mulher que estava contundido. Passava horas abraçado ao uniforme.
Na hora das refeições, nas duas casas tinha uma peculiaridade: numa as refeições, sejam lá quais fossem eram acompanhadas de salada de pepino e na outra a sobremesa era bananas.
O português e Maneca sempre foram machistas, homofóbicos, misóginos, defensores do moral e bons costumes, do amor à pátria e a família. Parecem feitos de pedra, mas mesmo com a idade já avançada, os dois choram copiosamente na hora das refeições. Vai entender...
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.